COTIDIANO
Veja, senhora,
a poesia que está imbuída
no ato de lavar panelas
em tirar a toalha da mesa
e manter a casa arrumada.
Veja, senhora,
o quanto é poético
limpar a mesa dos farelos de pão
e guardar lavada e limpa a louça do café.
É tão poético
quanto passear num campo de margaridas numa tarde ensolarada de sábado
ou tomar sorvete na lojinha da esquina
ou comer algodão-doce no parque de diversões
e quase tão poético
quanto transar de madrugada
em cima da mesa da sala.
Sim, senhora, tudo isso é poético
tanto quanto o esforço do operário
que caleja as mãos no trabalho pesado
e incha as veias da garganta ao falar para os companheiros na assembléia do sindicato.
Tanto quanto multidões nas ruas
exigindo os direitos
que os errados lhes negam.
Sim, senhora, a poesia se encontra em toda parte
na rosa e na bucha de canhão
no lençol da cama e no outdoor
no sorvete de morango e no punhal ensangüentado
no jornal de hoje e no fliperama
na sapiência e na dúvida
porque tudo isso
reflete a vivência do homem
que ama a sua luta diária e que há de sobreviver à exploração
sob todas as suas formas
por mais disfarçadas que sejam.
Só não é poético
deixar a vida passar ao largo
e sentar-se indiferente na poltrona
para ver novela na televisão.