SÍLVIO DE ABREU
     
 

ENTREVISTA COM SÍLVIO DE ABREU
Por Francisco Malta

Acho a realidade sem graça, comum, previsível. A ficção é
ilimitada, com ela posso ser transportado para qualquer lugar e soltar
minhas emoções quer seja como criador, quer seja como espectador
.”                                           Sílvio de Abreu

FRANCISCO - Sílvio, você está voltando ao ar com uma novela. Desde 1998 que você não escrevia para o chamado "horário nobre". Como você vê a expectativa das pessoas em relação à sua volta? Mesmo antes da atual novela das oito entrar no ar já existiam comunidades e sites dedicados a "Belíssima". Como encara o peso de ser a "griffe" Sílvio de Abreu?

SÍLVIO - Não tenho muita noção desse peso, nem da importância dessa grife. Sei que existem muitas pessoas que acompanham e gostam do meu trabalho e isso me deixa muito feliz e confiante. Sei também que existem outras que não gostam e procuro não me preocupar com isso. Fazer uma novela seja das 19 ou das 21 horas é sempre uma grande responsabilidade. Uma enorme verba da emissora, além da carreira dos atores envolvidos, de uma certa maneira estão nas mãos de um autor. Essa é sempre a minha maior preocupação. Não quero que a emissora que confiou em mim, colocou seus recursos à minha disposição tenha prejuízo e detestaria que algum ator que entrou na trama, confiando que o sucesso fosse melhorar sua carreira, saia do trabalho sem ter conseguido dar um passo à frente ou, pior, tenha regredido no conceito popular. É claro que tudo isso está atado ao sucesso e a audiência que espero obter com a novela, mas também já aprendi em todos esses anos de carreira que só posso me
responsabilizar pelo trabalho bem feito e bem acabado; a audiência, apesar de extremamente importante é só uma conseqüência...

FRANCISCO - Como você escolhe o tema das suas novelas? O universo paulistano é um traço comum a todas?

SÍLVIO - O universo paulistano é o que melhor conheço , daí porque insisto em retratá-lo. É muito rico e variado. Sem querer me comparar Jorge Amado fazia o mesmo com a Bahia, Érico Veríssimo com o Rio Grande do Sul, Leon Tolstoi com Moscou, é muito bom escrever sobre o que se conhece em profundidade, brota com maior autênticidade. Com relação aos temas eles aparecem de acordo com o que está me preocupando no momento, nunca planejo escrever sobre isto ou aquilo porque novela não é tese acadêmica, é um entretenimento. Armo a história a partir dos personagens e os personagens a partir dos atores. Em determinado momento, que nunca sei precisar quando, aparece um tema principal que de uma maneira ou de outra parece juntar todas as peças do quebra-cabeças e aí embarco nele. Foi assim em Guerra dos Sexos, Cambalacho, Sassaricando, Rainha da Sucata, Torre de Babel e agora em Belíssima.

FRANCISCO - Sílvio, a trama, segundo se pode depreender de suas entrevistas aos jornais, parece focar a "indústria da beleza", isto é, o universo do Mundo Fashion e onde a própria TV entra em foco, na medida em que ela transforma as pessoas, da noite para o dia, em "celebridades descartáveis ". Os "reality shows", que fazem tanto sucesso, tornaram-se alvos desse tipo de pessoas. Como você vê essa relação da TV com o "belo"?

SÍLVIO - Tudo o que você descreveu me parece que já foi muito bem tratado pelo Gilberto Braga em Celebridade e não é este o caminho que estou trilhando. Belíssima também não é uma novela sobre moda ou sobre o mundo fashion, apesar de ser uma novela fashion porque é super moderna. Quero falar da opressão que a beleza exerce sobre as pessoas em uma sociedade únicamente voltada para as aparências. Hoje em dia vivemos na superficialidade, sem nos aprofundar em nada, apenas se contentando com o óbvio. Mas, por favor, não pense com isso que será uma novela cabeça, discursiva, cheia de conceitos, não será. Belíssima é uma história com emoção, amores, comédia, suspense, tudo contado como um grande folhetim. As idéias aparecerão no decorrer da trama.

FRANCISCO - Parece que você, também, constrói um outro conceito de "beleza". A sua novela começa as gravações na Grécia, cidade "célebre", que é referência da mitologia grega. Talvez poucas pessoas percebam esta sua "visão cirúrgica" para detectar, inclusive, uma história que vem a milênios, no tocante a uma busca de visibilidade e referência universal. É correta essa observação ou não?

SÍLVIO - É, é uma observação correta. Se vou falar da beleza, tenho que mostrá-la em sua origem e na sua plenitude. Tudo começa em algum lugar e tudo, inclusive a dramaturgia e todos os mitos, nasceram na Grécia.

FRANCISCO - As novelas reproduzem tendências que estão surgindo na sociedade ou criam tendências? Você considera esse tema perigoso, no sentido de expor o narcisismo, a "fogueira das vaidades" no espelho da TV?

SÍLVIO - Não acredito que novela tenha a força de mudar nada em uma sociedade. Acredito, sim, que pode colocar assuntos para serem discutidos nas casas, nos jornais, nas revistas e na própria televisão. Não acho que o tema seja perigoso, ao contrario. Tenho a impressão que as pessoas que não são dotadas de grande beleza vão ficar bem felizes em saber que mesmo as mais belas tem problemas parecidos e que tudo na vida é relativo.

FRANCISCO - Na trama existe um personagem jovem que promete bastante discussão eserá interpretado por Cauã Reymond. Quando se fala em juventude e cultura, eles reclamam: nós queremos é emprego. Hoje se justifica a crise cultural pela crise econômica. Os jovens não lêem porque o livro é caro, não estudam porque não há vaga nas universidades públicas. Fica difícil falar que nem só de pão vive o homem, pois hoje o pão está faltando. O que você acha dessa juventude de hoje?

SÍLVIO - Acho que essa juventude está em busca de um caminho e ainda vai nos surpreender. Infelizmente a cultura tem sido relegada a um quinto plano como interesse não só dos jovens, mas do público em geral. Ser culto, entender em profundidade, falar bem e raciocinar direito, hoje em dia, infelizmente não é valor. Ter dinheiro, sucesso e fama substituiu todos os sonhos. Estamos em um difícil tempo de transição, mas sempre fui otimista e acredito que do caos, sairá a luz. Vamos esperar...

FRANCISCO - Nunca se falou tanto em Ibope como agora. Hoje temos internet, TV por assinatura e outras emissoras produzindo. A tevê está se tornando refém da audiência? Como você vê a mudança nas novelas ao longo do tempo?

SÍLVIO - O Ibope sempre foi a grande preocupação das emissoras, a diferença hoje em dia, é que passou a ser também referência dos críticos e jornalistas. Primeiro uma novela podia ir mal de audiência, mas ganhar prêmios e ser considerada de algum valor pelos ditos "especialistas", hoje este tempo acabou. Se o Ibope for alto, mais cedo ou mais tarde todos vão acabar falando bem e achando méritos na maior porcaria que a televisão possa apresentar. É uma pena e, para mim, este procedimento tem sido o grande responsável pela decadência da televisão em geral. Se a única possível maneira de agradar é ter audiência, então vale tudo para tentar consegui-la.

FRANCISCO
- Com freqüência, você lança luzes sobre os chamados "autores novos"? Podemos perceber que existe uma lacuna aqui no Brasil no que tange a formação de roteiristas. Você não acha que falta uma especialização?

SÍLVIO - Novela é especialização porque é um gênero específico que não tem nada a ver com teatro, cinema, literatura ou qualquer outro tipo de programa de televisão. Novela é novela. Para se escrever uma novela é preciso saber raciocinar como um noveleiro. Saber criar histórias que registram meses e meses de exposição diária, que possam evoluir no gosto do público, que todos os dias apresentem novidades e desdobramentos interessantes. É preciso também ter disposição para abrir mão de uma vida normal durante mais de um ano o que inclui a feitura da sinopse, preparação de produção, escalação, feitura de capítulos etc e etc... É muito difícil achar pessoas com essas qualidades, embora muitas e muitas pensem que as tenham. Novela é vista todos os dias há quase cinqüenta anos e para quem não presta muita atenção, qualquer um pode escrever aquelas pessoa falando, falando, falando... Ledo engano, é um dos trabalhos mais difíceis e especializados que conheço.

FRANCISCO - Clarice Lispector afirmava: "Escrever é duro como quebrar rochas". Produzir um capítulo de novela por dia deve ser um trabalho árduo. Estaria eu correto em afirmar que a pressa em benefício de um produto pode comprometer o resultado?

SÍLVIO - Escrever é uma atividade solitária e muito difícil, sem dúvida. Mas também é das coisas mais prazeirosas que um ser humano pode fazer porque exercita sem limites a sua imaginação. Quando você afirma que a pressa compromete o resultado do produto, já está descaracterizando a novela porque ela é assim, ela é produzida à medida que vai sendo aceita pelo público e não existe nenhum demérito disso, este é o seu DNA.

FRANCISCO - Só para finalizar... Com tanta coisa real acontecendo, por que ainda precisamos inventar histórias para refletir sobre a condição humana? Há os que afirmam que a grande crise do nosso tempo é a do desejo. A que você atribui essa desvalorização?

SÍLVIO - Nem todas as história criadas refletem sobre a condição humana. Muitas são feitas apenas para melhorar um pouco a vida de quem não tem nenhum outro tipo de divertimento. Para mim, a ficção sempre foi mais cativante do que a realidade. Acho a realidade sem graça, comum, previsível. A ficção é ilimitada, com ela posso ser transportado para qualquer lugar e soltar minhas emoções quer seja como criador, quer seja como espectador. Isso sempre melhorou a minha existência, porque sempre me deu muita felicidade. Quando faço novelas é nisso que penso, quero que quem assiste tenha cinqüenta e poucos minutos de prazer, tenho certeza que isso faz com que uma grande parte do nosso povo viva um pouco melhor.