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dor

chegue dor
eu deixo que você aconteça
no aperto do peito
na tonteira da cabeça
nas molduras dos meus
sustos.
vem, não se acanhe,
a casa é sua!
não expulso sua invasão
não amarro seus espasmos
sou toda paladar aos seus
amargos.
vem que eu quero a divulgação
do osso exposto
do tumor encapsulado
do limo agarrado nos poros.
vem na asa toda sua
e me envolve
no seu discurso
biópsia.
eu permito
sua febre alta
e o bisturi ácido
da cirurgia.
vem dor,
que eu abro as porteiras
para que você transborde
seus recados densos,
os símbolos dos seus tremores
suados,
as catarses dos seus vômitos
necessários.
vem que eu não choro
além da lágrima justa,
não me rasgo em piedades
nem me julgo desprotegida.
vem que eu não quero mais adiar
o fim dessa ilusão envelhecida,
encarquilhada, ultrapassada,
não quero mais enfeitar
a aflição dos meus confusos,
nem as fantasias de um carnaval
de antigamente.
vem, faça sua festa real,
eu lhe recebo
no meu espaço vazio,
onde acato seu grito
certo
onde subo um degrau
acima
onde morro
colhendo vida.


 


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