página diária dos participantes da nossa lista de discussão literária

Guten Morgen, Silke

         Minha querida, wunderbar!! Maravilha mesmo sabê-la no Brasil mais uma vez. Sua sensibilidade,sua extrema delicadeza, o feitio do seu sorriso, tudo isso se mistura agora na minha memória que se atira, abre-se para o peito e me deixa convulso, louca para lhe rever. Os livros do Martin Buber, que você me enviou já chegaram. O endereço do Instituto Goethe na Internet  (http://www.goethe.de)  também já visitei.  Recebi igualmente o catálogo belíssimo com a reprodução dos quadros que você pretende expor em abril próximo na Galerie der Gegenwart, Hamburger.  O cartaz com a mostra dos filmes do Fassbinder em Berlin também já faz parte do meu acervo de relíquias. Recebi também o seu cartão de agradecimento (e encantamento) pelos discos/ livros que lhe enviei: Mestre Ambrósio, Antonio Carlos Nóbrega e Lúcio Cardoso.  Desabam-se todas as noções reduzidas de país X, cultura Y, povo Z quando a arte se impõe, não é mesmo minha Iara? Katherine Mansfield no seu diário escreve que o ato da entrega, de todos, é o mais elevado, porque exige acima de tudo, real humildade e uma crença absoluta na própria liberdade essencial, por ser, segundo ela, a entrega, um ato de fé. Exatamente isso eu sinto diante da arte em geral e em todos os instantes com o meu amor e alguns amigos (brasileiros, alemães, belgas, jamaicanos, israelenses). Ah, Silke, lembro do brilho quente azul dos seus olhos e me vejo tomado por corpos arianos, 40 graus de libido irradiando de louríssimos pêlos pubianos. Um instante depois acode-me na lembrança os braços negros, luzidios do Berg, aquele jamaicano com quem nos deitamos numa tarde gramada, nos jardins da Torre Klingen da Igreja de San Wolfgang. Lembra como nos rendemos e quanta fé dominava nosso ato de entrega ao sexo que ele nos doava?...  A textura ébano dos membros dele surtiam em mim sustos excitados, praticamente iguais  aos que sou acometida diante das tantas relíquias germânicas com as quais você me
faz a corte.  Permanecemos horas a fio empaladas nos jardins de San Wolfgang, naquela ocasião, para visita pública, recorda? Jean Pierre também deve lhe proporcionar momentos assim, se estou certo, porque o meu Gustaf me faz encenar Fausto, vender a alma, quando me enterra a língua a esmo. Há momentos em que essa língua largada faz de mim inteira só bocas, por todos os poros, todos os membros, mucosas e dedos.  A expressão do macho alvo, albino ao dispor da nossa entrega nos deixa com algo dele no semblante. Os filhos não costumam trazer os traços dos pais? Ora, eles nos fazem nascer, utilizando-se dos mesmos potentes cinzéis. Em qualquer parte do mundo, se olhamos bem alguém que a seu homem se entregou com paixão, vamos flagrar resíduos dele em alguma instância do corpo. Em umas, as semelhanças estão no rosto; em outras, na bunda... Já  vi bundas bochechas sorridentes, refletidas pela salsa de amantes cubanos... Um sombreado anil nas pálpebras de quem se deu aos de olhos claros, ou bocas acentuadamente oblíquas nas que se renderam aos de olhos amendoados. A paixão  fêmea é de infusão, acréscimo. Beleza, cada mulher retira do seu amante, e a transforma, pule ou recria em filhos, mais sensualidade, poesia.
        Ah, Silke, eu quero desviar a rota da minha vida que insiste em fazer turismo nos infernos, para lugares como Rothenburg, toda a região de Berchtesgaden... Navegar nas águas tranquilas do lago Königsee até St. Bartholomã, lendo histórias de rabinos. Ah eu quero ir para a África, para o sol de Tanganica, escapar das câmaras de tortura para onde me encurralam os preconceitos. Quero passar pela Alemanha, de volta, no dia remoto em que Goethe fazendo rodar uma maçã diante de uma mulher apaixonada - Betina Brentano -, falou: "olha, o mundo está aos teus pés e tu aos meus!" Quero pés firmes de amores aos quais eu possa me postar, estejam em Frankfurt, Paris, Jerusalém, no beco escuro do meu quarto ou na Rocinha.

Auf Wiedersehen,


 


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