Lição do jardim
Nunca jogo fora aquela que se estiola, pára de oferecer flores e frutos, envelhece e parece fenecer, muito menos tento substituir a que não está me oferecendo o encanto esperado. Cuidadosamente reviro-lhes a terra, combato pulgões e cochonilhas com as fórmulas que intuição e experiência me indicam. Podo, adubo e rego equilibradamente, evitando excessos e carências. Acaricio-as com mãos e coração, removendo impurezas, folhas mortas. Busco-lhes o local ideal, a luz na medida certa. E até canto para elas, esperando avivar-lhes a energia...
Em geral, dá certo. A vida responde à vida. Tenho tido surpresas inesquecíveis: aquele pinheiro que não queria crescer e, de repente, buscou o sol e ultrapassou a altura da velha casa do sítio; a jaboticabeira, rapidamente respondendo e enchendo caule e ramos de flores, depois, suculentos frutos; ou a violeta tímida, aparentemente dormente, que de uma só vez me ofereceu seis flores; e ainda aquela roseira, antes poucas folhas e muitos espinhos, que um belo dia inundou de beleza a sala com a mais linda das rosas. Paciência, amor, diálogo com a vida são inatos a qualquer jardineiro amador. Geralmente recompensados.
Outras vezes, porém, todo o trabalho e cuidados parecem ter sido inúteis. A quantidade de água ou de luz, o delicado revirar e adubar da terra, até mesmo o cantar parecem não ter dado qualquer resultado. Em algumas plantas, as flores recusam-se a surgir, as folhas caem, os ramos murcham irremediavelmente. Outras, me desafiam até quase esgotar a paciência: fingem que estão morrendo para exigir mais atenção, depois, como promessa, abrem uma pequena flor para, logo em seguida, indiferentes, não absorverem mais água; estiólam, ressecam, e eu insistindo até o dia em que pareço ouvi-las dizerem, com um sorriso zombeteiro: "Viu? Você não entendeu nada. Não era nada disso o que eu queria"... Ah! E há aquelas que vi nascer, pequeninas, cuidei e, não mais que de repente, descobri serem ervas daninhas, pragas a alastrar-se ameaçando todo o jardim (não disse que minha experiência era ainda muito limitada?).
Diante do (aparente) fracasso, que fazer? Este é o momento da difícil (as vezes terrível...) decisão. Penso então: dei tudo o que tinha, o melhor e mais belo de mim, fiz o que pude. Investi, tentei, aceitei os desafios. Que me resta? Só o deixar morrer....
Morrer? Sim, e esta é a magistral lição que aprendi no jardim: por mais intensa que seja a dor da perda a enfrentar, temos de deixar morrer o que tem que morrer para que possa viver o que tem que viver. Para isso, mais que coragem precisamos de fé. Aceitar a morte é aceitar a vida, é crer no ancestral ciclo do universo: vida-morte-vida. As cinzas da planta morta são adubo (e aprendizagem) para a terra que deixamos vazia, onde novas e benditas sementes logo chegarão. É preciso crer: o vento, as aves, os insetos as trarão certamente. Reciclando...
Como diz a Clarissa, "algo espera que abramos espaço para ele, algo que paira perto de nós, algo que ama e espera que o terreno certo seja preparado para que ele possa se revelar... A terra está apenas descansando, na espera de que a semente venturosa chegue com o vento, com todas as bênçãos de Deus". A única coisa que não pode morrer nunca, segundo a autora e ao que aprendi no jardim, "é aquela força de fé que já nasce dentro de nós, que chama as novas sementes para os lugares áridos, maltratados, abertos, para que possamos nos ressemear."
O que tenho que permitir que morra hoje? Aprendi a lição do meu jardim. Com fé, muita esperança, deixarei o terreno limpo para aquilo que o vento vem trazendo...