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Lição do jardim

        "É  bom adotar a prática diária de meditar sobre a repetição do ato de desenredar a natureza da vida-morte-vida...
Quando estivermos soltando esta  natureza seria bom que cantássemos algo mais ou menos assim:  A que preciso dar mais morte hoje para gerar mais vida? O que eu sei que precisa morrer mas hesito em permitir que isso ocorra?... O que deveria morrer hoje? O que deveria viver?..." (Clarissa Pinkola Estés)
Minha prática de jardinagem não é lá muito grande, mas quanto aprendi  cuidando de plantas!

Nunca jogo fora aquela que se estiola, pára de oferecer flores e frutos,  envelhece e parece fenecer, muito menos tento substituir a que não está me  oferecendo o encanto esperado. Cuidadosamente reviro-lhes a terra, combato  pulgões e cochonilhas com as fórmulas que intuição e experiência me indicam.  Podo, adubo e rego equilibradamente, evitando excessos e carências.  Acaricio-as com mãos e coração, removendo impurezas, folhas mortas.  Busco-lhes o local ideal, a luz na medida certa. E até canto para elas,  esperando avivar-lhes a energia...

Em geral, dá certo. A vida responde à vida. Tenho tido surpresas  inesquecíveis: aquele pinheiro que não queria crescer e, de repente, buscou o  sol e ultrapassou a altura da velha casa do sítio; a jaboticabeira,  rapidamente respondendo e enchendo caule e ramos de flores, depois, suculentos frutos; ou a violeta tímida, aparentemente dormente, que de uma só  vez me ofereceu seis flores; e ainda aquela roseira, antes poucas folhas e  muitos espinhos, que um belo dia inundou de beleza a sala com a mais linda  das rosas. Paciência, amor, diálogo com a vida são inatos a qualquer  jardineiro amador. Geralmente recompensados.

Outras vezes, porém, todo o trabalho e cuidados parecem ter sido inúteis. A  quantidade de água ou de luz, o delicado revirar e adubar da terra, até mesmo  o cantar parecem não ter dado qualquer resultado. Em algumas plantas, as  flores recusam-se a surgir, as folhas caem, os ramos murcham  irremediavelmente. Outras, me desafiam até quase esgotar a paciência: fingem  que estão morrendo para exigir mais atenção, depois, como promessa, abrem uma  pequena flor para, logo em seguida, indiferentes, não absorverem mais água; estiólam, ressecam, e eu insistindo até o dia em que pareço ouvi-las dizerem,  com um sorriso zombeteiro: "Viu? Você não entendeu nada. Não era nada disso o que eu queria"... Ah! E há aquelas que vi nascer, pequeninas, cuidei e, não mais que de repente, descobri serem ervas daninhas, pragas a alastrar-se ameaçando todo o jardim (não disse que minha experiência era ainda muito  limitada?).

Diante do (aparente) fracasso, que fazer? Este é o momento da difícil (as  vezes terrível...) decisão. Penso então: dei tudo o que tinha, o melhor e  mais belo de mim, fiz o que pude. Investi, tentei, aceitei os desafios. Que  me resta? Só o deixar morrer....

Morrer? Sim, e esta é a magistral lição que aprendi no jardim: por mais  intensa que seja a dor da perda a enfrentar, temos de deixar morrer o que tem  que morrer para que possa viver o que tem que viver. Para isso, mais que  coragem precisamos de fé. Aceitar a morte é aceitar a vida, é crer no ancestral ciclo do universo: vida-morte-vida. As cinzas da planta morta são  adubo (e aprendizagem) para a terra que deixamos vazia, onde novas e benditas sementes logo chegarão. É preciso crer: o vento, as aves, os insetos as trarão certamente. Reciclando...

Como diz a Clarissa, "algo espera que abramos espaço para ele, algo que paira  perto de nós, algo que ama e espera que o terreno certo seja preparado para  que ele possa se revelar... A terra está apenas descansando, na espera de que  a semente venturosa chegue com o vento, com todas as bênçãos de Deus". A única coisa que não pode morrer nunca, segundo a autora e ao que aprendi no  jardim, "é aquela força de fé que já nasce dentro de nós, que chama as novas  sementes para os lugares áridos, maltratados, abertos, para que possamos nos ressemear."

O que tenho que permitir que morra hoje? Aprendi a lição do meu jardim. Com fé, muita esperança, deixarei o terreno limpo para aquilo que o vento vem  trazendo...


 


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