Família
Quando abri o armário do banheiro e tirei a cara da minha frente,
respirei aliviado, outra vez gente.
Com gesto leve de mão pesada peguei o vidro sem pressa, sabendo,
aliviado, que Solange não viria, Renata não ligaria e Judite
viajaria.
Um por um aos comprimidos dediquei a atenção, certo de
estar fazendo o desejo mais profundo do meu coração.
Alinhados lado a lado, sobre o mármore da pia, pareciam um joguinho
de soldados, soldadinhos que ganhei da minha tia, quando tinha nove anos.
Sorri vincado, quase de lado, e dei um tiro imaginário no soldado,
um que estava caído, quase morto, coitado.
Minha tia, que alegria, lembranças ternas de quando eu ficava
entre suas pernas, aos dezessete anos, num lençol esverdeado
que ela tinha em casa, só para mim. Ela deitava nua, linda
e obscena e me dizia: vem! e eu ia.
Derrubo o último soldado, meus olhos já pesados. Fecho
a porta do armário do banheiro e meu rosto aparece, inteiro.
Adeus minha tia, reze por mim.