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Contemplação

No meio de tantas dores e bisturis, passei a última semana meio mal, de cama, nunca dormi tanto em minha vida, o que, lógico, deixou a minha mesa cheia de trabalhos atrasados e a minha caixa postal de e-mails a ler e a responder.
A parte boa da história é que eu fui forçada a parar um pouco para contemplar, quase como se os anjos tivessem ouvido os conselhos dos amigos, em vez de mim.
Até porque, eu acho que tenho tido oportunidades maravilhosas de estarvendo a vida e o mundo nessas últimas semanas. Nessas viagens que tenho feito sempre descubro algo interessante: bicicletas de dois quadros em Matias Cardoso, lua cheia na beira do São Francisco em Januária, conversas muitas, pessoas, cheiros, "falares" diferentes, ruas e casas centenárias.
Em Pedra de Maria da Cruz, por exemplo, ouvi um passageiro dizer ao taxista - é assim que viajamos aqui, na maioria das vezes - "o senhor segue toda a vida e depois vira a direita".
Aquilo ficou na minha cabeça, fazendo acrobacias. Eu imaginando o que seria seguir toda a vida e no final dela ter a opção de virar a direita ou a esquerda.  Minha criança, nesses momentos, desperta e cria enredos inimagináveis.
Ela, por sinal, endiabrada, me fez andar de roda gigante em Matias Cardoso. Eu, sozinha, de dona do brinquedo, contemplando o mundo em ciclos, à noite, naquela cidade quatrocentenária de ruas poucas e uma igrejinha, que segundo contam, guarda em suas paredes padres e outros ilustres que ali desercanaram.
Naquele momento, lembrei-me do Fernando e quis que dele fossem os meus olhos, para compatilhar um pouco aquela visão. O Fernando que fala de Nova York, uma cidade mundo.
Muitas vezes sinto falta dos grandes centros, dos milhares de pontos iluminados, das milhares de pessoas e toda a movimentação cultural, os teatros, os bares, os cinemas. Sinto falta especialmente dos cinemas.
Mas cá estou e cedo sem esforços às possibilidades que diante de mim se insinuam, nas cidades de nomes raramente conhecidos: Janaúba, Espinoza, Monte Azul, Monte Claros, Verdelândia. Aqui é uma terra de muitos montes, muitos rios e muito o que se fazer.
Um dia desses vou embora, para Belo Horizonte, São Paulo ou talvez para o exterior.  Mas há em mim a certeza de que sempre voltarei, quantas vezes eu parta, sempre estarei buscando o interior do Brasil novamente,
as cidades pequenas e seus enredos, seja Minas ou Pernambuco.
Na semana que passou, não viajei. Fui obrigada a parar e da varanda da minha casa, contemplei o mundo e o mundo em mim.
Senti saudades da Mix, mas precisava ficar um pouco em silêncio. Quando não em silêncio, entre as resoluções urgentes e inadiáveis.
Leila pergunta, será que é preciso niná-los? Mimá-los? Os que hibernam?
Quanto a mim, asseguro, o senhor meu coração já se sente totalmente embalado sempre que na Mix pousa e dança entre os diálogos poéticos, reinvindicações, protestos e risos, sobretudo os risos.
E ainda que nem sempre se pronucie, às vezes por falta de tempo, outras, de palavras, o que não é difícil de acontecer diante de tantos poetas e poetas de tal quilate, tem cá um porto certo e sente necessidade de estar nele para uma contemplanção imprescindível à alma, de versos, prosas, falares e sentimentos.


 


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