Uma história
Ele sorriu para ela e murmurou: "amo você". Foi menos ainda, um
mero mover de lábios, um sopro, uma incitação delicada,
um despertar terno para a hora.
Cinco da tarde e no céu, já a lua iniciava sua festa.
Sempre assim, aqueles dias de fevereiro, largas as horas, lua de cinco
da tarde às onze da manhã seguinte.
Ele contava enquanto brincava com as mãos de Maria: "está
chegando cedo para a farra a Lua e boêmia nunca quer ir embora com
o raiar do dia e fica assim, pairando no azul cristalino cor do mar".
Maria pensou em um poema, aquele poema, ele dissera um poema, havia
lido em um de seus muitos rabiscos, que por cuidado descuido, caíram
em suas mãos.
Ele, o poeta, seu príncipe.
Esperava, ela, mais cantilenas e versos, algum, especialmente, onde
visse sua alma dançando entre as palavras, nas palavras formando
versos. O nome dela entrelaçado ao dele, talvez. Talvez... talvez...
Final de tarde e ele descobrindo que se casaria com ela na igreja matriz,
ela de branco, ele de terno, toda a família, os amigos e milhares
de sonhos sendo ali elaborados, como jamais ousara admitir que faria um
dia.
E Maria querendo confessar que fugiria com ele se ganhasse mais um
poema.
"Mais um poema?"
Os olhos brilharam assentindo.
O poeta então vasculhou todo o seu universo e em todo ele deparou-se
com a visão de Maria.
Maria ouvindo-o, Maria sendo ouvida, descoberta, explorada.
Maria sendo seduzida, encantada, ele enlaçando e enlaçado.
Teve vontade de contar uma história, daquelas. muitas, que lhe
contaram quando criança. Diria assim, era uma vez uma moça
chamada Maria que se apaixonou por um poema que por ela já era louco
a muito tempo. Mas para a conquista foram muitas as tentativas e deliciosa
a hesitação dela.
Para dirigir um olhar de significância, pediu alguns versos.
Ele os fez.
Para um aceno de mão, um poema para guardar seu sono. Ele atendeu.
Para o primeiro toque, um soneto. Ele, adepto dos versos livres, sem
rimas, sem formas, roubou de Camões um e com ele a presenteou.
Para estar ali, com as mãos delas entre as suas seguiram-se
outros rabiscos seus e delicados furtos.
Agora, mais um outro para fugir com ele...
E em seu universo, seu repertório, baú encantando de
palavras e experimentações, Maria dançando, Maria
olhando-o, ele e Maria se amando.
Então, ele sorriu para ela e murmurou: "amo você". Foi menos ainda, um mero mover de lábios, um sopro, uma incitação delicada, um despertar terno para a hora.