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Resposta ao Meu sonho

Sabe, kk

Costumo pensar muito nessa coisa do alarde, da raiva, do protesto pungente e, muitas vezes, distante. Acho estranho sempre que ouço ou leio ou vejo alguém simplesmente dizer que tudo está muito ruim, que tudo é muito complicado. São palavras que ao meu ouvido soam exatamente a discursos superfluos.

Não vivi a ditadura, mas posso dizer que peguei um pouco da ressaca dela. Na oitava série fiz teatro e o nosso ideal era a juventude revolucionária daquela época. Não me recordo bem, mas acho que foi nesse ano que passou Anos Rebeldes na TV Globo, foi quando também eu li aquele livro "1968, o ano que não acabou" e os meus melhores professores eram petistas ferrenhos e sempre tinham histórias fantásticas para contar.

Em contraponto,  ouvia os mais terríveis comentários sobre a minha geração: alienada, consumista, individualista, só para citar alguns adjetivos. Eu, meio rebelde, muitas vezes cheguei a comentar que havia nascido na época errada e até os meus amigos brincavam comigo, dizendo que certamente me veriam lá no meio dos protestos e aquelas coisas todas.

Eu tinha muita vontade de abrir a boca para dizer "eu quero salvar o mundo" como ouvíamos dizer que a juventude da ditadura fazia.

No ano seguinte, entrei para o movimento estudantil da cidade, Petrolina-PE, e me deparei, literalmente, com O DISCURSO. Estranhei. Todo mundo ou era PC do B ou PT e no primeiro encontro local que realizamos explodiram montes de brados contra o neo-liberalismo, contra isso, contra aquilo e em nenhum momento houve uma discussão em cima de um projeto de ação, alternativas e etc. Havia nitidamente um saudosismo sem tamanho daquela juventude, daquelas pessoas que queria salvar o mundo... Mas estávamos muito longe de resgatá-la. Falava-se em falta de diálogo e alienação, mas era praticamente impossível dialogar com o movimento e as pessoas que o compunha. Me incomodava ainda aquela coisa de fazermos passeatas sombreados por bandeiras partidárias.

Cheguei a conclusão de que não viveria naquela época por não ter vontade de ser tão radical, de ter simplesmente que ser direita ou esquerda.

Acabei me afastando. Só depois que entrei na faculdade é que voltei ao movimento estudantil, a outro, completamente diferente do que eu conheci no colégio. Na Federação de Administração, da qual eu fazia parte, falávamos em terceiro-setor, discutíamos sobre a questão do Provão, o trote solidário, promovíamos palestras. Enfim, tínhamos uma atitude bem diferente e, por isso, fomos muitas vezes tachados de "direitistas" entre outras coisas.

Então, comecei a repensar alguns posicionamentos meus, de modo que hoje me sinto parte da mesma juventude que queria salvar o mundo numa revolução, numa tomada de poder ou algo assim, que amadureceu, passou por montes de coisas, o movimento feminista, o movimento hippie, as torturas, a anistia, a campanha para as diretas, a queda do muro de Berlim e descobriu que ainda pode salvar mundo, mas de um outro modo, entendendo que a humanidade caminha a passos lentos, que existem processos, que o futuro se constrói e não se institui por decreto ou a golpes.

Se eu tivesse vivido aquela época não me perdoaria se não tivesse feito pelo menos metade do que você fez. Mas esse é o meu presente e quero ser parte atuante da transformação dele.

Aqueles que querem mudar o mundo sempre foram minoria, continuam sendo. Mas há uma inquietação latente no ar e eu consigo sentir o seu cheiro, ela pulsa em mim e em montes de outras pessoas que eu conheço. As pessoas, por sinal, estão mais abertas para ouvir falar em mudanças, em respeito ao ser humano, ao meio ambiente, em parcerias, associações, enfim, outro modo de ver e fazer o mundo. Na maioria das vezes, não sabem como fazê-lo e sentem enorme dificuldades em começar, ainda que toda a teoria já seja sabida.

Um dia desses ouvia um professor de história e ele mostrava justamente o processo histórico vivido pelo país, como quem prepara um grande bolo, ele foi citando todos os elementos que caracterizam o nosso momento. Entre eles, a força da mulher como agente transformador, a subjetividade trazida pelo movimento hippie, a tomada ou retomada do homem como indivíduo, o avanço das ongs ambientais.

No final de tudo caminhamos para algo mais ou menos assim: a minha indivudualidade é importante, mas por outro lado, preciso desesperadamente do outro. Preciso para amigo, para amante, para vizinho, preciso para ser comunidae e, algum dia, humanidade.

Acredito que todo ato de de agressão ao ser humano, à natureza, sempre causará indignação a qualquer alma com o mínimo de amor no coração, amor solidário, por si próprio e pelo mundo, essa imensa arca de noé em que todos estamos.

Meu sonho é que continuemos o nosso processo de amadurecimento e um dia, cheguemos a tal ponto que forcemos a mudança dos meios de comunicação. Que sejamos melhores do somos hoje, que cada um consiga, a tal ponto, ampliar a sua consciência sobre si mesmo e o mundo que ela se irradie por todo o globo. Que as pessoas verdadeiramente se amem e amem o outro, também o planeta.

Quando li sobre o seu sonho, me senti profundamente tocada, principalmente quando você falou em amadurecimento, em crescimento, em busca de uma compreensão e consciência maior do que somos, de onde estamos e para onde onde estamos indo.

Também sempre desperto quando ouço falar sobre a ditadura e tem tempo que queria falar desse meu sentimento a alguém que a viveu de verdade. Não sei até que ponto me entederia ou eu mesma estaria sendo clara.

Bem, espero que me entenda.


 


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