Deixo que seja
não importa que a tarde tenha caído mais cedo,
nem que as fadas dos meus sonhos
tenham perdido suas varinhas de condão.
não quero saber da minha saudade,
deixo que ela deslize pelo íngreme da ladeira
sem os empurrões das interferências.
não me incomodo que você esteja distante,
você continua você,
esteja eu aonde estiver.
não quero saber dos olhares evitados,
sei que eles nadam em lagos
absorvendo as esculturas das lembranças.
não vou avançar nos mistérios,
os imprecisos se decidem em quietude.
não importa se fui alvejada pelo susto,
com certeza ele deveria mesmo assustar.
nada acontece em espinhos desnecessários,
por isso não me debruço no alto dessa escada,
não me mato em seus degraus difusos,
nem me consulto sobre hipotéticas quedas.
não borro a pintura do acaso,
nada pode ser estreito
se ainda percorro o corredor mais amplo
nada pode ser aprisionado
se a porta da gaiola estiver aberta
nada pode ser escasso
se a chama mantém exaltação.
não importa que a tarde tenha ido,
foi apenas uma tarde que anoiteceu mais cedo.
não quero saber se ela escorregou
pelas frestas da minha indolência,
ou nos clarões ansiosos de uma lua apressada.
não quero invadir os significados
dos acidentes naturais,
não prendo rédeas em minhas mãos
nem escolho os atalhos das retas emendadas.
arde a tarde em mim,
e deve arder,
recebo o toque ferro
na face nua do imprevisível.