O paraíso é logo ali
Podia começar dizendo que faltou a presença da mulher amada. E seria uma bobagem porque mulher amada está sempre presente, mesmo longe. Então, não começo assim. Começo de um jeito mais tradicional porque, quando se trata de paraíso o melhor é não inovar muito, olha só o que aconteceu com Adão... Vinte quilômetro depois de Florianópolis, no sentido sul-norte, está o paraíso. Governado Celso Ramos é um municipio composto de praias: Ganchos, formado por três baias: recanto dos ganchos, ganchos do meio e ganchos de fora, separadas por morros de pequena altura. Um deles é o nosso, o que fica em canto dos ganchos, onde temos uma casa antiga, que compramos no tipo porteira fechada, isto é com tudo, com tudo mesmo, dentro, inclusive a caseira, Helena, com seus filhos felipe, 5 anos e Juliana, dez, uns encantos que ficaram muito amigos nossos e o marido Canela que é pedreiro. Helena cuida de tudo, inclusive do jardim, das árvores, das bromélias, dos cálices (esta é uma árvore enorme em cujo topo, nascendo das folhas, espantosas flores vermelho-rubro em forma de cálice. Vista do mar, esta árvore é como um grito, uma fulgurância marcando o lugar da casa.
Pois bem, a casa tem um avarandado de 10 metros que dá para o mar, imensa vista fantástica e colorida, cheia de pesqueiros (Ganchos é de pescadores), fazendas de mexilhões e cores inacreditáveis. Como tudo é baía, vê-se em frente as praias do continente, Tijucas, Zimbros, Tainhas, todas lindas, todas coloridas, todas de pescadores. Eu sentava no avarandado e assistia ao espetáculo: o nascer do dia, o mar se colorindo, se mudando, se mexendo e... olha a mulher amada na cabeça de novo, hein? pois é, depois, tomava café, conversava, fumava, éramos quatro e íamos para a praia, praia de Palmas, outra do mesmo município, uma baía mais larga, no canto sul uma piscina, no meio ondas para surfar, no canto norte mar agitado, com suas cores, de repente um verde esmeralda, um azul marinho inacreditável, profundo, denso, um cinza que é apenas o reflexo de uma nuvem passando por ali, os tons caribenhos e os milhares de espoucar de flashes, quer dizer pequenos raios de sol se perdendo na ponta das ondulações e dos movimentos sinuosos daquele fantástico cenário. Aí passavamos no super mercado para comprar a janta, quer dizer os apetrechos da janta que entregávamos com a maior tranquilidade para Helena que, às oito e meia, entraria cozinha adentro, com pratos, seus filhos e a gente se acostumou a esperar por eles. Aí eu tomava banho de chuveiro quente, um banho longo, lascivo, a mulher amada rondando por ali, querendo porque querendo fazer brincadeiras indecentes, fazia a barba, vestia uma bermuda e passava sabe o que? creme hidratante. Isso mesmo, creme hidradante nos ombros, nos braços, no peito, nas costas, pernas, sentia a frescura contra pele quente e queimada de sol, rapaz que delícia, sentava no meu lugar no avarandado, xícara de café na mão, cigarrinho na outra, para assistir o entardecer.
Sabe aquela música do Vinicius? "o disque-disque macio que brota
nos coquerais"? Pois é, brotava um disque-disque desse tipo,
no meio da mata atlântica, reserva natural, floresta virgem,
cheia de luxúria e vida, gritos de insetos, pássaros
voltando para a casa, uma brisa mais macia do que veludo roçando
o teu rosto e, subitamente, escurecia. Noite escura, sem lua e nublada,
dava para saber que na minha frente tinha mar, porque eu sabia e
pelo som das ondas na praia e nas rochas. Lá longe as luzes das
praias, aquelas que já falei, e quando pensava que tinha terminado,
podia baixar a cortina, pegar os trapos e recolher os flapes, que
nada, começavam os vagalumes assustadores, com suas faíscas,
numa dança mágica e fascinante. Mas até eles
mesmos iam dormir e, após alguns embates difíceis com mosquitos
impertinentes, ia jantar, jogar canastra e dormir.
Foi assim, por dez dias. Pleno paraíso e até mulher amada
probida. Adorei.