Redescobrindo Portugal
Muito se fala ultimamente da renovação
que Portugal tem passado nos recentes anos. Fui lá ver em
pessoa. Não intencionalmente, mas por pura coincidência.
Estive em Portugal pela primeira vez em abril de
1974, um dia depois da Revolução dos Cravos. Conheci
uma Lisboa em festa, porém ainda triste e sofrida pelos tantos
anos de salazarismo. Uma cidade de velhos e crianças, sem
jovens. Estes estavam em guerra nas colônias, mortos em batalhas
ou refugiados em países tantos.
Agora, em pleno ano 2000, não fui como um
simples turista querendo conhecer a nossa antiga metrópole. Fui
fazer uma noite de autógrafos do meu último livro e com o
intuito de comparar as duas visitas separadas por vinte e seis anos de
distância. Fui logo surpreendido pela multidão de jovens bonitos,
bem vestidos e bem alimentados. Depois de um contato com a Editora e os
organizadores do evento que iria participar fiquei livre para passear no
sempre bem cuidado Parque Eduardo VII. Senti logo a descontração
das pessoas relaxando nos jardins, dos amantes se abraçando e se
beijando livremente, e da limpeza constante de suas avenidas. Depois de
algumas horas, não tive dúvida: entrei numa taverna e fui
comer um bacalhau com todos, acompanhado de um bom vinho português.
Assim foi meu primeiro dia com a Terra Mãe - as mihas boas vindas!
No dia seguinte, juntamente com a minha musa e companheira
de viagem Leila Luna, fomos ao Museu Calouste Gulbenkian, ver em primeira
mão a exposição Imagem do Tempo - Livros Manuscritos
Ocidentais. Era uma sessão prévia para a imprensa. A exposição
seria aberta ao público a partir do dia 31 de março. Assim
tive a oportunidade de ver livros raríssimos escritos e ilustrados
à mão de coleções russas, americanas, francesas,
portuguesas e outras tantas particulares. Um prato cheio para quem gosta
de livros e manuscritos. Aproveitamos a ocasião para andar de metrô
onde se pode ler poesia nas paredes e nos ladrilhos dos corredores limpíssimos.
À noite, rejuvenescido com tantos documentos
históricos, enfrentei um público misto de brasileiros e portugueses,
ávidos por poesia e escritos. Quem disse que poesia não vende?
Vende sim. E vendi muitos Dos Beijos, Retratos e Coisas do Coração
- poesia baiana com sabor nova-iorquino - ou vice-versa a depender do gosto
do freguês. Depois do evento, mais poesia: fomos para São
João do Estoril nos juntar com mais poetas e amantes da poesia
no Planeta Tropical - um bar/restaurante literalemnte cravado numa rocha
por cima do mar. Ah!... o mar português tão cantado em versos
e prosas, tão decantado por seus navegadores e marujos, tão
determinado pelo fado e pelo fatalismo. Pura inspiração para
recitar, ler, declamar poesias num bom português nas vozes de tantos
poetas e musas. A madrugada foi criança para tantas palavras acalentadas
pelo barulho da ondas.
No terceiro dia, para relaxar das emoções
da noite anterior, bom mesmo foi sentar no deck de um ônibus de dois
andares e deixar que a guia eletrônica nos contasse todas as histórias
de Lisboa: três horas de penetração pelas vias onde
nos idos 1500 eram determinados os destinos do mundo. Depois de uma pausa
para bolinhos de bacalhau e risoles de camarão, entramos num barco
e nos soltamos no Tejo para ver a ciade de longe. É impossível
não fazer poesia tendo Lisboa pela frente.
Destas águas donde
partiram tantos navios e caravelas,
este sol constante a me
queimar a pele,
ainda o vento frio de início
de primavera,
existe coisa mais bela que
o presente sele?...
Fico a pensar que Camões e Pessoa não
fizeram nada de mais, porque Lisboa é poesia no sangue e no
ar, e tudo que eles fizeram somente foi viver e respirar.
Voltando à terra firme, a fome foi grande
de andar pela Alfama, Baixa, Rossio, Chiado, Bairro Alto e tocar
nas calçadas e paredes da alma portuguesa. Sentar à porta
da Brasileira para um capuccino e um pastel de nata foi mais que uma obrigação,
ainda mais quando eu tinha nas mãos um exemplar de meu livro que
abri na página certa: Fernando Pessoa. Mandei a estátua dele
ler o poema que fiz pra ele. Alucinação? Não. Loucuras
de poetas mesmo!
Quando a noite se adiantou, nada foi melhor do que
ir até a Lapa e, no Sr. Vinho - um restaurante com deliciosa cozinha
e um fado de primeira -, terminar a imersão lusa. O fado, que veio
do Brasil e se tornou português, ainda está bem e muito vivo,
se rasgando, se decompondo, chorando cheio de paixão e saudade nas
vozes dos fadistas mais antigos como também dos mais jovens.
Num sábado ainda de sol, uma boa pedida foi
fazer compras na Feira da Ladra onde muitas quinquilharias e bugigangas
podem ser adquiridas a preço de banana. Ao lado, no Mosteiro de
São Vicente pudemos reverenciar os restos mortais dos Orleans e
Bragança que trouxeram a única realeza européia para
as Américas. Depois, ainda deu tempo de andar pelas encostas do
Castelo de São Jorge, pela Alfama e pela Mouraria, saborendo um
gostoso vinho do porto.
À noite foi a vez do Parque das Nações:
um complexo moderníssimo que abriga um gigantesco shopping center
bem ao lado da enorme ponte Vasco da Gama, a maior ponte suspensa da Europa.
Assim me inteirei do novo Portugal que, a partir
de Lisboa, se integra cada vez mais à Europa depois de fazer
parte da Comunidade Européia. Muitas construções,
muitas restaurações, um movimento cultural intenso, uma necessidade
de mão-de-obra especializada imensa, uma corrida contra o tempo
para ser cada vez mais participante e atuante na globalização
que assola o planeta.