O autor desconhecido
Com o advento da Internet, as vias de comunicações se popularizam e se espalham rápidamente em todo o mundo. Como não era deixar de se prever, no Brasil acontece o mesmo fenômeno. Com isso, penso que o brasileiro passou a “ler” e a “escrever” mais um pouco. É a minha esperança que este fato se espalhe mais entre mais pessoas, assim, quem sabe?, possamos nos entender melhor para tornar este mundo mais digno e mais tolerante com as nossas diferenças. É também a minha esperança que essa re-educação se estenda para a leitura do papel impresso.
Na troca infinita de mensagens de todos os tipos, somos bombardeados por pensamentos diversos, a qualquer hora do dia ou da noite, de qualquer parte deste mundo imenso que parece que ficou menor. Na hora de escolher o que queremos “escutar” surge um conflito que nos deixa ambivalentes. A ambivalência aumenta sua força quando procuramos “ver” quem é o autor da mensagem. Se já o conhecemos e compartilhamos com as suas idéias, a coisa fica mais fácil e a mensagem se torna mesmo um prazer quando brilha com todas suas palavras e sinais gráficos na nossa telinha iluminada, proporcionando uma troca de informações e de idéias que nos adiantam a vida e nos alimentam espiritualmente. Quando a mensagem é de um ilustre desconhecido, aí a coisa complica porque temos que discernir quais as intenções do remetente.
Recebemos, muitas vezes, textos excelentes sem o nome do autor e, às vezes, simples e descaradamente embaixo o famoso "autor desconhecido". Na maioria das vezes é de gente que nem conhecemos mesmo virtualmente, que tira nossos endereços de algum lugar, nos mandam a mensagem e somem. Expostos a esse mundo, nos tornamos vulneráveis. É uma pena não repassar tais textos ou boicotá-los, como um poema muito bom circulado recentemente pela rede sobre o racismo (Carta de um escritor africano anônimo), porque têm um conteúdo ou uma forma muito bons. Quando o repassamos, mantendo a anonimidade original, estamos fomentando a disseminação de um hábito maléfico: a descaracterização ou anulação do autor. Se o autor não quer se identificar por um motivo ou por outro, tem-se que respeitar o seu ponto de vista, o seu princípio e a sua anonimidade. Damos-lhe o benefício da dúvida - ele teve uma razão para isso. Mas quando quem passa a mensagem omite o nome do autor de propósito ou por incompetência e ignorância, aí a coisa fica feia. Em troca recente de correspondência com a poeta Lynn, escutei seu ponto de vista: “tem razão, há textos belíssimos veiculando pela net com o famoso "ad" [autor desconhecido], o pessoal simplesmente retira dos sites e não se dão o trabalho de pegar o nome do autor, e daí é que está havendo esta alta veiculação do "ad", simplesmente não acredito que quem tem a capacidade de criar textos ou poemas, queira ficar anônimo...” Eu, particularmente, tenho por religioso princípio colocar na internet textos meus que já foram publicados em papel impresso - livros, revistas, jornais, periódicos, newsletters, boletins - ou estão registrados em algum órgão competente. Raramente coloco um texto inédito, exceto para certos concursos ou em páginas que já conheço o webmaster. Sei que não estou totalmente protegido com este princípio. Felizmente ainda não passei pela experiência de ver algum texto meu sem meu nome ou sem minha autorização de estar publicada em tal ou tal página. Sei também que estou exposto a isto a qualquer momento, é o risco que corremos em querer divulgar os nossos trabalhos. Espero que nunca aconteça isso comigo, porque, imagino, deve ser uma experiência muito desagradável e incômoda.
Este fenômeno do “autor desconhecido” não é privilégio nem está restrito somente ao mundo brasileiro - por favor, não quero ouvir mais um “brasileiro é assim mesmo”. Circulam também nos micros dos usuários americanos histórias, textos, poemas, piadas e tudo mais que for escrito do famoso “author unknown”. Ora, se no mundo dos que ainda respeitam a lei da criação intelectual e na terra dos processos envolvendo altas somas de dólares para quem infrigir tais leis acontece isso, cabe-nos perguntar: a aldeia global dos escritores virou uma zorra total ou o autor literário perdeu o seu papel na sua criação? Vale a pena continuar pensando, pesquisando, criando, escrevendo para ver nossos trabalhos expostos em qualquer página sem recompensa ou, ao menos, sem o devido crédito? É essa a nova forma de interação, o anonimato? Onde fica o individualismo do pensamento?
Recebi recentemente um pedido de opinião da CIELI (Comissão Internacional de Ética Literária na Internet) que “está com uma pesquisa de opinião aberta a todos os internautas. Para votar, não é necessário ser membro da CIELI... todos podem votar. Seu voto e de seus amigos é muito importante para que possamos dar prosseguimento nos trabalhos que a entidade vem realizando. Vote para que possamos conhecer a opinião dos internautas sobre a divulgação de textos com autoria desconhecida na Internet.” (http://br.egroups.com/polls/pesquisa-cieli). Não consegui abrir a página ainda. Vou continuar tentando para ver melhor a pequisa, apesar de já ter a opinião formada de ser a favor da circulação de boas idéias e contra a omissão proposital dos autores delas. Acho válido este primeiro passo, mas não é tudo, é um passo muito pequeno dentro do enorme universo aberto e diverso. Saber se somos “a favor ou contra a divulgação de textos com autoria desconhecida na Internet” é uma faixa de informação muito pequena que nos leva a uma faca de dois gumes: se formos contra, estancamos idéias e formas literárias que poderão contribuir positivamente para quem as lêm; se formos a favor, estimulamos o desrespeito ao direito autoral. O importante no mundo deste complexo relacionamento é a educação dos usuários deste veículo de comunicação e o respeito à propriedade individual da criação literária - isso leva tempo e o trabalho é árduo. Temos que achar uma maneira de assegurar os direitos autorais na situação em questão. Vale a pena levantar a voz para protejer o direito do autor neste mundo virtual tão frágil e desprotegido por esse lado.