PASSEIO PELAS TERRAS DE BENITEZ
— para Greta Benitez —
"Não existe arte onde não houver enigma." (Salvador Dalí)
Fui visitar seu site, abri todos os poemas, o conto, sua página
biográfica, as de comentários críticos e, também,
as de prêmio. Revirei logo tudo, para não perder
a viagem. A única parte que não abriu foi, se não
me trai a memória, a dedicada a Regina Benitez. Deu
um daqueles problemas, de não querer baixar; não insisti,
para poder continuar a viagem. Porém, voltarei
para conhecê-la.
Olha, a Leila estava certa no entusiasmo que deixou transparecer ao indicar o seu site. Você começa muito bem. Somente não me causa maior espanto a qualidade do seu livro de estréia, porque você mesma faz referência a ter vindo de uma formação na qual a cultura sempre foi valorizada.
Foi uma grande viagem essa. Foi tanto bela quanto útil. Emocionante aquela sua foto junto a Helena Kollody. Meu Deus, que força tem a Helena. Infelizmente, nunca tive o privilégio de possuir um dos livros dela. Conheço sua poesia pelos alternativos literários impressos, onde os poemas de Kollody sempre sobressaem. Assisti, também, há muito tempo na TVE, a um documentário, se não me engano produzido por Sylvio Back, onde os poemas de Helena recebem um tratamento cinematográfico de primeira e, creio, em que ela recita alguns deles. Fiquei muito bem impressionado. Porém, falta-me a visão de conjunto, uma melhor compreensão da unidade de seu trabalho e de seu estilo.
Embora sucintos, os comentários de Astrid Cabral e Regina são muito apropriados ao que senti e percebi em sua Obra. Aliás, você mesma se revela boa na autocrítica, bastante consciente do que faz e dos seus objetivos, o que novamente surpreende numa poeta estreante.
Houve muitos aspectos que me chamaram a atenção durante a leitura de seus poemas. Em primeiro lugar, embora em um deles você, de certo modo ironize O Belo, na verdade é nítida a sua preocupação com a estética, com a beleza do poema. Há em seu trabalho uma certa herança da linha estética espanhola, onde podemos citar Goya, o próprio Velásquez, determinados momentos da pintura de Dalí, sem dúvida Picasso, Miró; os filmes de Buñuel, Carlos Saura e Almodóvar; bem como, o tom muitas vezes dramático e sombrio de certas passagens da poesia dos irmãos Machado e de Lorca. Tal impressão me foi reforçada quando você se autodefiniu como uma apreciadora do estranho e do bizarro. Apenas que o bizarro nas suas mãos, assim como nas dos artistas citados, nunca se confunde com o meramente vulgar, com o grotesco, com o escatológico. O que ocorre na verdade é que, tal como muitos artistas espanhóis, você consegue ver a beleza da sombra.
E isso porque a sombra não é a completa escuridão. Sua poesia trabalha na penumbra, sob a luz da tela de cinema, na neblina de gás néon, sob a lâmpada de uma rua mal iluminada. Com isso você cria um cenário em parte real, em parte virtual. Você trabalha o tempo todo com colagens extraídas da paisagem e da intimidade urbana. Uma das apresentadoras de seu livro comentou que era como se você andasse com uma câmera fotografando tudo. Eu acrescentaria: e recortando, produzindo novo arranjo e remontando cada fotograma, numa película de conteúdo cubista.
Portanto, não se trata de simples enumeração de elementos ou de uma colagem aleatória. Sim, de novo arranjo. Ou seja, não há desprezo pelo sentido, o que faz com que dentro da aparente obscuridade resida a clareza. É o canto da luz por meio da exaltação da sombra.
Por fim, outro aspecto muito interessante é a inserção do "eu" poético dentro desse conjunto aparentemente "bizarro" de elementos. Num primeiro momento, é como se o "eu" nada mais fosse do que um elemento a mais, também inserido dentro da composição. Ao contrário da poesia predominante nas últimas décadas, onde o eu se destaca como centro em torno do qual o universo gira, o "eu", em sua poesia, parece fazer parte de um plano único, girando em torno de um centro imaginário. Contudo, antes que sejamos tomados por qualquer vertigem, o "eu" emerge desse cenário, recita um verso sentencioso, e novamente se recolhe. Porém, nesse brevíssimo fulgor, ele impõe a marca de seu sentido, ainda que para expressar pura perplexidade.
Por todas essas características, aqui pinceladas um tanto rapidamente, pois haveria mais a dizer, sua poesia me deixou a sensação de grande beleza e singularidade.
Você é descendente de espanhóis? Meu pai era espanhol.
Felicidades,
Ricardo Alfaya