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Permanência da rosa

  Tudo começou uns dez anos antes de o movimento modernista sacudir o país.  Ela era uma belíssima jovem portuguesa com nome vindo de flor: Rosalina. Vou chamá-la como gosto — ROSA. Esta flor de beleza conhece "ele", o jovem magro e feio com lábia donjuanesca. Apaixona-se. Tão antes dos existencialistas, dá o "salto no escuro", entrega-se a flor, vai viver, sem casamento ou promessa de, com o homem amado, junto à família dele. Escândalo, imaginem, ainda início dos 1900! A mãe, a tia, a irmã, todas arcadas pela histórica sujeição feminina, classificam-na de puta e como tal a tratam. Mas Rosa-amor fica, enfrenta, vive o "tudo que fizeres, faze-o com paixão" — a vida para ela era amar aquele homem. Os frutos chegam: duas filhas em três anos.
  Um belo dia (que belo??), o rapaz conhece outra mulher. E se apaixona.  Com esta resolve casar-se. Talvez, para os parentes, tivesse tomado juízo. Tudo bem, que o tempo muda os ventos, mas...   Com o pretexto da nova mulher, a família dele simplesmente expulsa Rosa de casa e sem deixá-la levar as filhas. Como uma puta poderia cuidar de duas meninas tão frágeis que nem seu nome haviam recebido? Proíbem-na até de ver suas amadas crias. E lá ia Rosa-mãe, às escondidas, olhar de longe as meninas quando já na escola, lágrimas correndo, coração sangrando.
  Rosa-mulher, assim, enfrentou a maior das dores, mas rosa viva era. Casou-se depois com outro homem, outras filhas teve, com quem pode finalmente compartilhar seu amor. O estigma entretanto permaneceu: não a deixaram nunca visitar a filha mais velha que casara, conhecer seus netos.
  Muito tempo depois, a primeira neta de Rosa, já com filhos, descobre que até os seus dez anos sua avó materna vivera. Entre surpresa e indignada, vai rebuscar a história, refazer memória, por anúncios em jornais, procurar tias e primos por este mundo de Deus, sem jamais os encontrar. Tivera uma Vó e não soubera!!!! Rosa-mulher-lobo, Rosa-amor, Rosa-mãe, Rosa-avó...   Onde encontrá-la agora? O que dela herdara? Que lhe deixara ela? Começa então a buscar suas marcas na mãe, nas irmãs capazes de morrer-por-amor, em si própria. E então descobre: ela, a neta, tão brasileira, tinha a marca do sangue indígena nos olhos e no amor à terra. Marcas do negro? Também: nos cabelos, na resistência aparentemente pacífica. Talvez do francês, uma certa angústia existencial, o amor às artes. Mas o fogo na alma, esta chama que pode fraquejar mas não se apaga...   Ah! Este fogo interior só poderia ter vindo de Rosa, Rosalinda, Rosa-Choque, cuja brancura estava escancarada para sempre em sua pele. Rosa-amor para sempre. À flor-da-pele.


 


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