SALA 14
É, a vida é cheia de mistérios, personagens, lembranças!!
Eu, ainda pequena, doce-indócil menina, me sentia tão
poderosa!!! Vivia intensamente e com tanta vontade!! Parecia ter um pacto
com Deus. Ele havia me escolhido, eu tinha certeza!! Sentia-me tão
diferente das outras!! Meu raciocínio era rápido, minhas
pernas eram velozes!! Era boa na corrida, no voley, no basquete...liderava
as brincadeiras, fazia as pessoas rirem, contava piadas, imitava macaco,
desconcentrava a classe, pulava o muro pra tomar sorvete... Ha!!
o muro do Sacré Coeur... "No muro do Sacré Coeur, uniforme
e olhar de rapina, nossos bailes no clube da esquina... quanta saudade!!!"
Certa vez nos levaram pra SALA 14. A SALA 14 era uma espécie
de solitária do universo das freiras. Só ia pra lá
quem tivesse cometido uma grande falta. E lá ia eu pelo corredor
escuro em direção ao cadafalso!! As paredes eram tão
altas e sombrias...A freira me levava pelo braço e não dizia
uma só palavra. A aula já tinha terminado e... que
silêncio!!... ninguém por perto!! No caminho ia imaginando
o que me aconteceria lá dentro... Aquele ser tão estranho...
olhos sem luz, rosto cheio de rugas...no peito um enorme crucifixo... VÁDE
RETRO SATANÁS!!! Enviada de Deus? Isso daí?
A Anne já tava lá dentro. Abriu um bocão do tamanho
do mundo. Eu nego, disse ela! Nego, nego e nego!!... não fui
eu que comecei! Não sei quem foi, não sei quem fez!!
NÃO SEI...DE...NADA! Enquanto falava ia espirrando água pra
todo lado... (tanta lágrima me fez lembrar esguicho de estufa)!
É que a Anne não tinha muito jeito pra essas coisas.
Costumava entalar no muro. Era meio gordinha e seu pé ficava
preso toda vez que íamos pular. Atrasava a fuga e alguém
tinha que voltar pra dentro pra desgrudar o pé dela. Mas dessa vez
o motivo era mais grave. Tínhamos pulado na piscina em época
de miningite. Era final de ano e queríamos comemorar. Saltamos sobre
as grades e correndo como loucas, encharcamos nossos uniformes no mergulho
da vitória!! Ha!! Que emoção!! Nossas saias abriram
como balões e ficamos assim... feito pára-quedas, boiando
sobre as águas...
Quando nos avistaram já era tarde. Tínhamos sido felizes
por algumas horas.