da Série: "Jogos de Sentidos" de ESCRITURAS SANGRADAS - Toscas Fatias de Escrevinhaduras
Ela chorava compulsiva. Quando ele tocáva-lhe, tocavá-lhe
o corpo. Inteiro. O amor era de longos e longos dias. Centenas e centenas
deles. A dias estava propensa a lacrimar. Estava tocada. A saudade não
era dele corpo presente, tão somente. Ele sempre tão presente.
Opção mútua. Amor de ambos. A saudade era dos sentidos
ativos, atiçados e era seu motivo de chorar. Dias foi bem preso
o choro pois sabia ela que eram cachoeiras que se armavam no curso de seus
olhos. Quando não pudesse sustentá-las sabia que assim seria.
Compulsiva. Foram horas ininterruptas de choro na madrugada de tempestade
sob cobertores mornos. Trovões que apavoram. Relâmpagos que
encantam tanto. Ele com sua tendência fácil para compreensão
dizia impulsivo: chore. Chore querida. Alivia. Alivie-se. Eu te amo, já
sabia? Eu te amo repetia. A cada palavra que carinho envolvia, a cada amorosidade
mais ela chorava e chorava e chorava. Ela imaginava por imaginar que ele
fazia outra idéia do que ela por ele sentia. No quarto não
havia luz elétrica acesa. Apenas a grande janela de vidro transparente
com lágrimas externas do tempo e esporádicos clarões
que lembravam a todo seu tempo que tempestades estavam às voltas.
Está claro. Seu obstáculo em compartilhar sentimentos naquele
momento a levou a demonstrá-lo d'outro modo que não a fala
clara e franca. Chorava cada vez mais manso. Já estava amenizando
a compulsão até que ela decidiu desligar a televisão
antes de assistir o contínuo disso. Foi à cozinha preparar
um café e em seguida folhear um livro enquanto sentava-se confortavelmente
no vaso. Passa tempo. Passa. A planta do lado estava com poeira e a pequena
estante estava abarrotada a ponto de despencar tudo. Isso só porque
recentemente ela está levando quase sempre mais um livro a cada
ida ao banheiro. Quando não tem necessidades e lhe sobra vontade
de continuar um capítulo iniciado corre novamente ao banheiro para
mais uma sentada nas folhas do livro anterior. Ah! Que prazer reservado!
O sino da catedral sete horas anunciou e naquela estação
era bem a hora para suceder o pôr-do-sol. Ela foi sem pressa passear
após o café passado. Queria mesmo era ver a lâmina
fina do astro já rotando pr'outra face da terra e com calma e tempo
que lhe sobrava nas segundas-feiras deliciar olhos e alma com o crepúsculo
âmbar e seus matizes. Tem esse fascínio e bem estar nestas
horas. Foi num crepúsculo que nasceu. E
gosta por demais disso. De ter nascido. A foto saiu desfocada. Pudera!
O trem estava em movimento. A ansiedade tanta para captar aquele posto,
aquele roxo, aquele rosto foi o bastante para nem cuidar do desempenho
ótimo da máquina. Lembrou que já a dias pensa em escrever
aquela carta que pensa e que bem podia ser agora embora breve pois os pensamentos
estavam como nunca multiplicados em diversas ordens e direções.
Não seria agora extensa como pensa. O pão em casa estava
pouco. Era hora de variar. Aproveitar a passagem para comprar roscas doces,
mangas verdes e pão mais integral. As flores frescas à secar
ficariam para o fim. Quando secas tão bem belas são. Fazia
tempo que não desejava um banho quente assim e acima nas montanhas
sempre lhe dava a imprópria vontade de voar. Voa pensamento e a
montanha é agora por milhas só memória assim com a
praia. Outro dia que virá é que por uma delas vai tornar.
O brinco na orelha é só em uma e à esquerda; a barba
por fazer enquadrava o estereótipo de menino marginal. Os lábios
límpidos é que contradiziam. Não fosse a tarja nos
olhos alguém diria que era o Jim Morrinson passeando em Paris. Em
verdade é bem mais belo ao todo que o morto. A tarja nos olhos fui
eu que pus. Aquele deus transeunte era demais para que pudesse assim simplesmente
fitá-lo nos olhos naquele momento. Passa, e é isso que nem
queria com ele ao lado. O tempo. A foto é em frente da porta do
quarto. O bonde chamado passa. Segue mulher! Vai-te! Vem! Chego cheia de
flores, balangandãs e comida. Como. chá-lá-lá...
chá-lá-lá-lá... chá-lá-lá...
O rádio ficou ligado. Aquela estação. O céu
é bem estrelado e o notíciário avisa que à
direção do ponto cardeal sul vai ter chuva de meteoro. De
vez em quando, de tempos em tempos estrelas trocam de lugar. Os olhos extáticos
em brilhos ao lembrar da vez anterior que viu este lindo espetáculo.
Há tempos! Foi numa aldeia alheia sem luz de artifícios.
Na cidade vai ser difícil enxergar. Luminosidade em excesso ofusca
o lustre de estrelas distantes. Em movimento então tão mais.
Tão distante estava então o lápis e o bloquinho de
sempre para inscrever os afazeres e prazeres de amanhã. Não
queria agora desgrudar o corpo da cama. Do cheiro duo da cama. Ele telefonou.
Disse que volta. Logo. Quiçá depois de amanhã. Tempos
idos sem ouvir de verdade de perto palavras simples assim: amor, tesouro,
deusa, querida... Antes estava contente. Agora estava feliz. Lembrou de
antes. De como tudo começou. Ela chorava compulsiva.