Nasceu. E é Mulher!!!
— Nasceu. Parabéns!
— É macho?
— Não. É uma linda flôr menina.
Silêncio constrangedor na sala de visitas da família.
O que se ouviu a seguir foram tapinhas solidários nas costas de
um papai profundamente decepcionado. Uma menina... uma menina, o que diabos
ia fazer com uma menina?
— Qual o nome?
— Pedro
— Mas é menina
— Então não sei...
O nome havia sido escolhido a dedo, tinha que ser forte. Soubera que
um nome muitas vezes determinava o caráter. Pedro era nome de Santo,
e de Santo pescador.
— Que tal Petra?
— É... bonito...
— Um belo nome, parabéns!
O enxovalzinho todo azul, o quarto, o berço. Tudo azul para
receber o menino.
Não entendia o que poderia ter acontecido de errado. A barriga
pontuda e empinada, a pele bonita e sem manchas. Nome escolhido com cuidado,
enxoval, quarto e berço azuis. Até a coleção
de figurinhas de quando era menino guardara para o filho. E essa agora.
Menina...
— Não quer conhecer sua filha?
— Sim...
— Vá lá homem. Sua mulher acabou de parir, deve estar
cheia de dor, precisada de carinho.
Abriu a porta do quarto e fechou-a devagar atrás de si.
E assim Petra veio ao mundo, como tantas outras meninas com destino
de macho para cumprir. Recebida em um quarto que não era o dela,
chamada por um nome que embora bonito, não lhe pertencia.
Mas Petra era birrenta, cresceu e virou mulher. E como tantas outras,
tem percorrido seus caminhos debaixo de cacete e sob a aba, por vezes condescendente,
de um autoritarismo machista.
E Petra vive em um mundo azul. Trabalha entre e igual aos azuis e ganha
menos, vejam só.
Mas Petra é mulher e como toda mulher, sabe ser teimosa.
Todos os meses menstrua e se pinta de vermelho.
Mariza Lourenço