página diária dos participantes da nossa lista de discussão literária

O Padre

        Às quartas-feiras, me olhava com cara de quem comeu e não gostou, e suspirando indignado, me abria a porta do confessionário, antecipando-me as penitências, todas elas, bem maiores que os pecados que eu confessava ter. Com olhos de desprezo me olhava, como se fosse eu uma pintura mal-acabada de Maria, a Madalena, que não tem cura e não se emenda, mariposa de noites sujas, pela indecência das ruas, iluminada.
        Com voz de culpa me falava, sentindo-se por mim ofendido, "sujeita ousada", que desrespeitando-lhe o rebanho, fazia barulho com os saltos e sob atransparência do vestido, convidava ao pecado.
        Podia sentir-lhe a respiração pesada, através da treliça que nos separava,recriminando-me a invasão da hora Sagrada, quando uma multidão de ovelhas carcomidas, silenciosamente desfiavam nas contas do Rosário; suas preces e ladainhas.
        Mesmo assim, continuava me abrindo a porta, às quartas, hora da Ave-Maria e em todas as despedidas — enojado — dizia:
        — Vá e não peques mais!
        A isso eu não respondia, só ria um riso escondido, que não era de pilhéria, era mais um sorriso frouxo de quem colheu o que plantou!

Mariza Lourenço


 


« Voltar