a borboleta.
eu vi a borboleta. o homem da farmácia também viu. hoje
ela voou pra dentro do meu olho e pra dentro do olho do homem. livre no
dia dela mesma, dia cinza de borboleta, é. pois existe alguém
que eu amo e nem contei isso ao inseto. mercemos esse desengano. puros
como torradas sem queijo. mas não tão livres quanto ela,
que apareceu um dia. e era na esquina da farmácia. churrasquinho,
gritos, a mulher no cartaz quase nua me disse uma palavra.
roxa de febre e tardia. ordens para que tudo se acalme, ruído
de um carro secreto, esse mesmo que nos percorre.nem sei o que o homem
da farmácia achou dela. acho que alguém mais deve ter visto
isso. pura como uma valsa sem blusa, solta nos quadrantes que eu crio,
todos criamos. Chopin para um bicho de asas pode soar esquisito. puxa,
o homem da farmácia nem me percebeu. voei ao encontro do teu nome
e num esforço enorme me dispus a entoar teu hino. falácia,
vatícinio é a mais nova palavra da língua.
um ou dois degraus e a borboleta-mestra nos ensina uma lição
de força. ela se sustenta e quase se finda em cansaço, os
minúsculos canais que devem atravessá-la para que o vôo
aconteça. vi um documentário sobre a borboleta monarca. na
verdade ela não serve para ser comida pelo passarinho. mas é
um bicho antigo e todas elas se encontram no México num local cheio
de mistério e asa pra cá, asa pra lá, tudo ao mesmo
tempo.
quase um laço entre nós, querida vida. sua pequena vida
pode ser tão melhor que a minha. uma vida de borboleta é
o que podemos chamar de vida cega. ou vida lavada se quisermos ousar. em
última instância as borboletas servem como amparo e a chuva
que as lavou anteontem serviu como reparo para todos os meus ais. duvido.
levando em consideração que uma borboleta fria pode passear
sozinha, não precisa de sua outra amiga, concluiremos que a dor
que a borboleta carrega é cheia de uma esperança tenra. sua
danada. fugindo assim de mim no ar acinzentado da farmácia da esquina!
Ygor Raduy