Beatrizes

        "E se eu pudesse entrar na sua vida"
        Edu Lobo e Chico Buarque

Já não sei olhar nos olhos e ver vidas
e duvido que algum dia
tenha sido capaz de ver algo
a mais de um palmo
de minha existência
Hoje o mundo me parece um palco
onde lágrima e sorriso se misturam
em uma só não dor

Meus olhos ampulhetas congelaram
com o tempo, com os sentimentos
com a marcha dura
do andar austero
dos corpos vazios
E o horizonte já não faz-se trêmulo
por que além é sempre um passo
a frente

E sempre há os corpos
Ah! os corpos
desejáveis devoráveis, comestíveis
repugnantes enjoativos, desprezíveis
onde será que eles moram?
Em que chão pisam, em que parede apoiam-se?
quais são suas virtudes?
quais são seus vícios?

Certa vez conheci uma Beatriz
como todas as outras beatrizes
e os outros
e confesso não ter descoberto
em nenhuma das noites que perdi dormindo
a linha limítrofe entre suas tragédias
e suas comédias

Mas o que são os limites
senão aquilo que não queremos alcançar
Não! Não quero ser aquele que diz não
pois não desejo cercear os meus desejos.
Que ninguém passe o chapéu, não!
não quero ouvir da vida o som do bis
do homem cíclico ... do homem rotina
da platéia surda e muda.

Certa vez conheci uma Beatriz
como todas as outras beatrizes
e os outros
e confesso ter tido certo medo
em cada toque desferido
de descobrir a real fragilidade
de sua dureza

E sempre há os sonhos
Ah! os sonhos
divinos cenários, pinturas
tristes mentiras, loucuras
em que estrela adormecem?
Será que há perigo, será que despencam?
em que céu viajam?
em que país repousam?

Meus olhos naus partidas naufragaram
com a juventude, com a maquiagem
com o lar sem teto
de quartos sem chão
de sonhos sem gosto.
E os meus desastres apaguei da mão
por que o perigo é sempre um passo
cego

Já não sei reconhecer meus próprios olhos
e duvido que algum dia
tenha sido capaz de ver algo
a mais de um palmo
de minha existência
Se beatrizes decoram papéis
se eles choram em quartos de hotéis, não sei
mas eu queria entrar em nossas vidas.
 

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