(sem título)
são um, dois flancos descobertos. como a maravilha dos corpos que se deixam despir na tarde, como a tarde que se abre, como o alarde mudo que se vê nas postas da superfície do corpo quando a pele ousa tocar muito de leve a pele, e sobressalto e a alma tonta recuava e era uma palavra alva que surgia e logo uma palavra rubra e santa se aninhava: ah. a parede caiada, a saia em vão tecida e retorcida pelo dedo frouxo, era como a própria tessitura dessa tarde. pois nela ardemos, nela eu entrevejo teu rosto de flama. na cama descomposta, na cena domingueira onde brincávamos, era ventre contra ventre e aço caudaloso dos braços me apertando. era leve e sempre. eram um, dois traços de ousadia. onde a febre se insurgia lenta, a neve do teu peito derretia e o meu peito fabricava um verso manso. pois na tarde branda nos deitávamos e fresta a fresta eu te mirava inteira, a esteira que planava, o lume dos teus olhos me acertando, o arranjo do teu corpo sobre o dia, alegria, espera.
(pois na euforia vespertina construí um tempo eleito, no zumbido das horas, na hera que se alastrou pelo leito, no pólen de primavera grudado ao suor do corpo, no susto calado do corpo, assim era, um, dois traços da quimera.)