página diária dos participantes da nossa lista de discussão literária
Um poema:

Janela para a Vida
                              (Para Leilacris)

Debruce no patamar da vida e olhe em frente.
Dentre tantas coisas que fogem da nossa capacidade de aceitação,
também estão renascendo as flores.
Descanse nelas os olhos castigados das lágrimas repetidas
e deixe as lembranças do que foi belo e querido renascerem na sua beleza.
 

 Marlene Andrade Martins
 

 
Um texto:
Leila,
        lendo algumas coisas sobre poesia, encontrei informações interessantes que me fizeram pensar em algumas coisas concernentes a outras que se revelam na lista.

Um abraço, Marlene

 
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Tanca / haicai/ haicu  [Literatura/Ensaio/5]

            Na poesia japonesa, os documentos mais antigos são aproximadamente do século XIII, supondo-se a existência de formas orais bastante anteriores.  Documentadamente, tudo começa com a RENGA, que quer dizer “poesia ligada”. A invenção desta “poesia ligada” deve-se aos chineses, mas eles não chegaram nunca aos formalismo desenvolvido pelos japoneses. A renga  corresponde mais ou menos ao que às vezes se faz em listas de discussão sobre poesia, quando alguém escreve um poema a seguir ao que outrem havia escrito, etc.  Era comum que dois ou três poetas se reunissem e, dentro de um período de três  horas, criassem  uma sequência de até cem poemas (quase sempre tancas). O sistema era extremamente formalizado, sendo que todas as regras de composição, de extensão, de tempo eram definidas de antemão. No início, a forma poética fixa a ser preferentemente usada era a da tanca  31 sílabas, divididas em cinco versos de 5-7-5-7-7 sílabas.  Como na divisão entre o material a ser tratado nos quartetos e tercetos do soneto clássico, também na tanca os três primeiros versos são separados estruturalmente dos dois últimos. Muitas das tancas mais antigas são na realidade “envois” de poemas longos  algo muito semelhante ao que se dá na primitiva poesia arábica escrita na península ibérica, onde os poetas colhiam no mundo moçárabe duas ou três linhas de canções femininas e as empregavam como fecho de seus poemas mais extensos, documentando assim as “carjas”, a forma mais antiga de poesia neolatina na Europa.
            As tancas eram escritas também independentemente de quaisquer sequências e, no século XIX, com o declínio da RENGA, a tanca torna-se totalmente independente. No Japão, pelo Ano Novo, costuma-se fazer torneios de tancas sob tópicos pré-determinados. Isto lembra bastante os “jogos florais” dequadrinhas em Portugal e no Brasil e, principalmente, os concursos de quadrinhas de S. João, muito populares em Portugal.
             A origem do HAICU [chamado “hokku” até fins do século XIX] é a mesma. O haicu são as três primeiras linhas da tanca, como seu próprio nome indica: “hokku” em japonês quer dizer “parte de abertura”. No início, haicus (isto é, “hokkus”) só existem dentro da renga e assim continuam mesmo depois que o grande Matsuo Bashô cria o HAICAI, uma espécie de haicu liberto das constrições temáticas da poesia cortesã, e que trata de assuntos mais mundanos. Em linhas gerais, o haicai é considerado como uma forma mais ou menos “humorística” do haicu. Até modernamente, duas regras, entretanto, foram absolutamente obedecidas em quaisquer destas duas formas: a contagem silábica de 5-7-5 e a presença obrigatória de uma palavra (kigo) que denuncia a estação do ano em que o poema está sendo composto. No século XX, outras reformas foram feitas: muitos haicus passaram a ter apenas uma linha e a referência à estação do ano em que o poema estava sendo composto foi abandonada. Como as semelhanças são quase sempre maiores que as diferenças, é bom lembrar que na poesia provençal medieval, os poemas de amor tinham como paisagem obrigatória a presença da primavera, coisa que o português D. Dinis critica na época, dizendo que seu amor é maior que o dos provençais porque dura o ano todo. Na segunda metade do século XIX, com a liderança de um poeta chamado Masaoka Shiki, o haicai do "estilo Bashô" passou a ser severamente criticado e houve um retorno ao haiku clássico, agora inteiramente liberado da renga. Esta situação, de certa maneira, sobrevive até hoje.
             A partir do início do século XX, estas duas formas (tanca e haiku/haicai)  tornaram-se conhecidas e se popularizaram no Ocidente, a começar pela França. O nome HAICAI é aquele que os franceses adotaram. Nos Estados Unidos, a forma HAICU foi mais aceita, e este tipo de poesia ligou-se à expansão da filosofia Zen budista. Um livro seminal foi publicado em 1958, “Introduction to Haiku”, de Harold G. Henderson, que, devido a sua erudição e bom gosto nas traduções, tem sido até hoje a antologia básica deste tipo de poesia. No Brasil, o primeiro a se interessar pela forma parece ter sido Afrânio Peixoto, logo seguido por Guilherme de Almeida, maior responsável pela sua popularidade hoje em dia. No momento atual, Paulo Franchetti pode ser considerado nosso melhor autor (e especialista) de haicais. .
            Uma curiosidade; Wenceslau de Morais, autor português que viveu quase toda sua vida no Japão, traduziu para nossa língua o mais famoso haicai de Bashô, mas, ao fazê-lo, preferiu usar a forma da quadrinha popular:

Um templo, um tanque musgoso;
Mudez, apenas cortada
Pelo ruído das rãs,
Saltando à água. Mais nada...
[Parte desta nota está apoiada em  informações contidas em “The New Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics” e no livro citado de Harold G. Henderson. Em português, a melhor fonte de informação é a página de Paulo Franchetti, da Unicamp, <http://www.unicamp.br/~franchet/>

Marlene Andrade Martins


 


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