Carta ao Senhor Ano Velho (2001)
Apesar das CPI's nas Câmaras e no Congresso, dos governantes, parte da sociedade, das fiscalizações seguidas de interdições (?), das denúncias, da deliberação de novos decretos, dos escritos incertos, nós não soubemos respeitar e cuidar do senhor.
Submetemos o seu nascimento ao milagre do novo século, à ilusão de alcançarmos a lua, ao feito do clone, à imposição de um parto próspero e inovador. Exigimos tudo e muito de você.
Descuidamos do seu momento quando ainda era uma criança, fazendo-o presenciar discórdias, fome, guerras, violência, seqüestros e nos esquecemos do tamanho de sua miséria.
Culpamos os seus dias de janeiro a dezembro, de jovem adolescente submerso em drogas, na prostituição, envolvido no jogo de poderes. Abalado na descrença.
Fechamos os nossos olhos a dor que lhe custou o desemprego, o não sustento do corpo, para a lágrima da humilhação. Ignoramos suas feridas causadas no rosto por tanto lhe baterem com a porta na cara.
Largamos os seus filhos nas ruas, "donos" da própria sorte, sem um colo materno ou um amável conselho de pai.
E agora, com barbas longas, um pedaço de madeira como bengala, a expressão de um rosto marginal e rejeitado. Como pragas lhe colocamos para fora, quiçá com mais bofetadas.
Peço ao senhor Ano Velho que nos perdoe por tudo que lhe fizemos e deixamos de fazer. Perdão pela falta de humanidade a quem não pediu para nascer. E justamente na sua vez soltamos os cachorros sobre o senhor. Perdão Sr. Ano Velho! Desconhecemos a palavra Vida, somos literalmente pobres de espírito e analfabetos. Vaidosos com a própria lida nós não soubemos lhe acolher como merecia. Como fomos ensinados a ser.
Descanse em paz.
Andréa Abdala
Dezembro/2001