Não sei porque razão utilizo aquele meio de transporte.
Um carrinho de rolimã, um tosco caixote. A estreita estrada
serpenteia entre montanhas e eu, agachada, seguro firme um volante que
não vejo, sentindo a velocidade aumentar mais, mais, e mais,
sem achar como frear. Desvio de todos os abismos até intuir que
não será possível continuar. Antes que o estranho
carro se atire serra abaixo, salto. Salto fora. Rolo pelo mato. Adormeço
ou desmaio. Desperto com o canto dos pássaros e um coelho-do-mato
que contradiz o da Alice, só repetindo: "vamos devagar... temos
todo o tempo!". De que corro, por que, para onde? Não, não
há pressa, leio nos olhos do coelho. Só então fixo
os meus nas montanhas das quais descia. Vai-se então
qualquer urgência. Fundo-me à mata em que penetro, encho-me
de verde, ouço o silêncio ou a voz do vento nos ramos, converso
com as flores, canto com os pássaros, piso cuidadosamente
no tapete de folhas, e entre luz e sombras lentamente caminho em
direção ao vale. A muralha da serra, agora azul, é
vista então em toda a sua majestade. Cabelos dançando
ao vento, chego ao rio serpenteante onde uma casquinha de noz me aguarda.
Minha eterna criança teme-e-não-teme - embarca. Com ela navego
levada pela corrente, em calmos meandros, entre peixinhos tão
coloridos que parecem aqueles dos recifes de coral. Em algumas "praias"
eu paro, deito-me na areia, recebo o sol, banho-me e volto
a embarcar. Sigo sabendo que algum dia chegarei ao mar e rio. Rio
e canto pro rio que me leva ao mar. Casquinha de noz no mar, sem leme ou
rumo, serei. Sabendo que ao sentir saudades das montanhas fácil,
muito fácil, será voltar. Basta que eu abra as asas. Sim:
abrir as asas. E voando, voltar.....