Tia
Era um finalzinho de tarde. Luiza toda faceira recepcionava um belo rapaz português que visitava o Brasil (e pela primeira vez Luiza, aos 40 anos, curtia uma deliciosa paixão à primeira vista).
Contrariamente a sua natureza (detestava dirigir) oferecera seus préstimos de motorista aos amigos, primos do rapaz português.
Ficou bem umas duas horas no cabeleireiro (pra que seus cachos ficassem lisos ). Mais duas horas pra escolher a roupa e gastou toda a caderneta de poupança num perfume francês (afinal tratava-se de um europeu). Naquele tempo perfume francês só na casa Fretin no Centro de São Paulo e , ainda mais, caríssimo .
Levou seu “Fusca vermelho” para um banho, com tudo que tinha de direito e, com a cara mais blasê do mundo, assim, daquele jeito de quem não quer, querendo, foi rodar São Paulo, com o casal amigo e o português.
Nesse vem e vai acabou passando em frente do Parque da Água Branca que, sob um intenso movimento de veículos, realizava uma feira de gado e um rodeio.
Luiza achou o cenário perfeito, não só como “mostra do rural brasileiro, mas com a possibilidade de “descolar”um baile country” com o rapaz português e foi logo tratando de estacionar o carro. A vaga era exata pro meu “Fusquinha”.
Naturalmente havia um “guardador de carros” no local.
Esmerou-se na manobra e foi descendo do carro cinematograficamente (tinha visto um filme na TNT da Doris Day e achado o máximo o jeito displicente de sair do carro).
De repente ouviu a voz pastosa do “guardador de carros” (num porre de fazer dó) que arregalando os olhos, caindo pelas tampas:
— Oi tia... a senhora é craque, hein?
O choque foi terrível. Ela tia daquele sujeito imundo, com quase a sua idade? Será que estava tão acabada assim? Um balde de água fria ou uma bofetada de supetão não teria surtido o efeito daquele “tia”.
Perdeu o “prumo e o rumo” e, com pose e tudo, tropeçou nos seus próprios pés, mergulhando num tombo escandaloso, vexatório, espectaculoso.
Ainda bem que mesmo engessada conseguiu ligar do Pronto Socorro pra sua sobrinha pegar seu doce Fusquinha vermelho no Parque da Água Branca.
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O rapaz português? Vai bem, obrigado.
Agora está morando no Brasil.
Casado com a sobrinha de Luiza, que conheceu quando foi buscá-la
no Pronto Socorro .
Com o sotaque que ainda conserva, gosta sempre de se repetir :
— Foi amor à primeira vista, bendito o tombo da tia Luiza.
Tia Luiza? Mudou-se. Vez por outra envia um postal de Lisboa.
Sandra Falcone