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Impotência

E a vida continua, apesar de, lamentavelmente tudo (ainda bem)

Nesta madrugada andei pelas  ruas desta Sampa, rodei a esmo.

Pela janela do meu carro (hereticamente fechadas e presa no cinto de segurança) observei vidas anônimas e vi  um pouco de tudo — o que se vê quando se quer olhar.

Não sei se amo minha cidade ou se apenas me acostumei a ela, como me acostumei a uma série de coisas na vida, empurrada gela abaixo, pela minha indiferença  de cidadã ou, quem sabe, bestice humana mesmo!

Às vezes fico olhando uma pessoa, geralmente pessoas elétricas, ou pasmentas, e me pergunto? É eletricidade mesmo, pasmice, ou apenas a couraça, o quê está acontecendo dentro dessa individualidade?

Alguém me “ouvindo” escrever diria: que baita deprê! Não, não e não.

É exatamente ao contrário.

Não me submeto a impotência, jamais me submeterei.

Submeter-se é deixar de acreditar que a mudança é possível, que o mundo está estático, que as estações não chegam, que crianças não nascem, que não existe o sorriso (pássaro da esperança) e que o amor é apenas uma questão cientifica, com um nome qualquer, uma energia disparada pelo cérebro.

E que a emoção é algo ultrapassado e, finalmente,   que se nasce apenas pra morrer.

Não nasci, nem acredito que alguém nasça apenas para morrer:  nascemos pra viver

E eu vivo, vivo cada momento.

Mesmo me sentindo impotente diante desta miséria que assola meu povo querido, dessa gente que vejo rastejando pelas calçadas, nessa convivência quase pacifica com a violência.

Mesmo quando dou graças a Deus pelo assaltante ter escolhido o veículo da frente e não o meu .

Mesmo pela falta de coragem de gritar a minha impotência e me ajoelhar na Avenida Paulista na hora do tráfego pesado e urrar a plenos pulmões:

— Pai, por favor, ajude-nos!

Mesmo quando choro porque me dói a alma.
Mesmo quando  me sinto impotente para transmitir, na palavra escrita, o que sinto.

Sandra Falcone


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