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Medo de Médico

Após muita insistência da família, amigos, agregados, cachorro e papagaio, decidi ir ao médico, um angiologista indicado por uma amiga, hipocondríaca e alarmista: "Mariza, não estou gostando desses sintomas, é circulação. Olha a trombose!".

Fiquei assustada, imaginando-me com os pés amputados, depois as pernas e por fim: a morte. Marquei consulta e no dia aprazado, lá estava eu, nervosa, descabelada e cheia de olheiras, tentando ler algumas revistas enquanto com um canto de olho investigava a sala de espera na tentativa de encontrar alguém que, como eu, aparentasse aquela cara de doente terminal. Para a minha agonia e do meu umbigo, que à essa altura estava inchado de tanta autocomiseração, deparei-me com o sorriso piedoso da recepcionista que exibindo saúde e beleza invejáveis, olhava-me com pena. Ai, minha Nossa Senhora da Saúde, pensei, meu caso devia ser mesmo grave. Desviei os olhos para meus pobres pés doloridos, calçados em sandálias baixas e não obstante a aparente normalidade, comecei naquele momento um ritual de despedida daqueles, que em passado não muito distante, haviam percorrido em sapatilhas alguns dos melhores palcos do país.

Até hoje não entendo o porquê dessa espera horrenda à qual nos obrigam médicos e dentistas, mesmo estando vazio o consultório. Só pode ser proposital, uma forma de tortura imposta a nós, leigos mortais, dependentes que somos dessas doces e salvadoras criaturas. Pois já esperava há meia hora e sem mais o que fazer, dei pra encenar meu próprio funeral. Eu, mortíssima em cima de uma mesa em grande estilo Filadelphia: a casa lotada e todos assistindo em DVD aos meus melhores momentos. Lógico, no video eu estaria linda com os cabelos ao vento e um vestidinho fashion de crepe, enquanto os amigos — todos homens, naturalmente — diriam: "Como era bonita" ou "Por que perdi esta mulher?".

 — A senhora não vai morrer.

 — Não?

 — Claro que não! Que idéia maluca. Jamais terá problemas de circulação, o que tem é uma bela tendinite.

 — Ah...

Levantei-me de um salto, completamente refeita dos pensamentos fúnebres que assaltaram-me minutos antes. Um batom e um blush, daria tudo por um batom e um blush.

 — Calma. Algumas recomendações antes que saia por aí pulando. Nada de saltos altos e trate de fazer fisioterapia.

Desabei novamente. Desistir dos saltos?! Nunca!

 — Conforme-se com seu tamanho.

 — O que me falta em tamanho, compro na sapataria da esquina.

Ergui o queixo e saí da clínica, completamente desolada.

Chamem-me superficial, mas sapatos de saltos sempre fizeram parte da minha indumentária, do meu dia a dia. Vá lá, ilusão que seja, de por instantes poder caminhar sem desaparecer neste mundo, cada vez mais habitado por bípedes gigantes.

Bem, os planos para a conquista daquele bonitão de 1,86 foram adiados até que esteja totalmente restabelecida e, na pior das hipóteses, caso o bom senso recomende a eliminação de saltos altos definitivamente, um baixinho simpaticíssimo anda de olhos espichados. Dos males, o menor.

  Mariza Lourenço


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