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clausura

o meu corpo, o teu corpo na clausura no estio da noite prestes a romper-se permanece chama aberta, derradeira, umedece as palmas frias, das costuras dos dedos fabricadas, das amarras os pregos encravados - foste o desalento. em cadafalso treme a luz tardia, em maré alta os pés mal se tocavam. como as costas lanhadas respiravam quando as costas varadas se encontravam e num canto mal podiam crer, estender-se ao largo impermanente, mal podiam pedir repousa, amor, aqui ao lado. com fervor embaralhadas aludiam ao chão que lhes crestava, a mão que lhes rompia as carnes, com ardor mal se abraçavam mas apartadas gemiam e a flor desaberta zunia, cor saliente mirava, para além um vento rabiscava esquemas. num mergulho se afogavam, num sussurro confessavam prazer no susto de te ver assim tão alterada, essa vida do meu corpo e do teu corpo na clausura, temos antes a demanda, o giro dos segundos, a prece insidiosa que lançamos ao fastio das horas surdas. quando devagar o céu pretejava, a beira doce dos marasmos se mordia, a parte espessa das vazantes se quedava, como quando a renda torta dos teus dedos se torcia e num instante pairávamos calmos sobre as quedas d’água – mas emaranhada, sonsa e morta essa toada se engalfinha – na espinha das correntes mornas um sossego e uma vontade de dizer ah que bom, amor, que voltaste. pois com o ardor das doze horas, na soltura dos quadrantes que criamos, veio subindo um cheiro de pastagem, azedume, um ranço dormente de caule findando em estame e choro findando em sorriso, um misto de amargor e calma, lua embebida, prece - foste o desatino. contudo um hino me rodeia, o badalar de um sino que se acerca, um almirante posto no convés da nau que avista terra à vista certa. te condeno na mais fria das estepes, eu blasfemo em tua hora mais tardia, onde a lança, onde dança das paisagens se converte, onde a sanha das miragens se diverte em se mostrar tão terna, tão fácil amor te dizer que assim tão perto permaneces, eu teço, desapareço da Terra,

e num giro me converto em nada.
                                                                                                                                                        Ygor.

 


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