Meu coração em sulco,
Pulsa e umedece as mãos,
Transbordando a infância.
O hino embala lembranças:
"...e o sol da liberdade
em raios fúlgidos..."
A tia emocionada se posta na frente da escola
solene,
Solene a diretora puxa o coro
E as crianças nem sabem a imensidão
do país que cantam.
O Brasil tem sangue nas veias,
O avô batia no peito varonil o orgulho
nacional.
Agora, o neto abaixa o olhar na fila do emprego,
Evitando a exposição na imagem
cotidiana da TV.
Por quê és tão maltratada?
Terra onde se colhe esperança
E em se plantando tudo dá!
Terra generosa e plural, regada a sol,
Florida em sexo,
Agora mortificada sob tragédias ecológicas
e
Desumanas.
De onde estou, o hino aquece a fria estação
Do exílio.
Reconheço-me na exposição,
Malícia, mistério, paixão,
Sexo luxuriante no ar das mulatas de Di,
A força heróica dos escravos
de Portinari,
A síntese cultural no Ovo Urutu de
Tarsila.
O fervilhar do pandeiro a quase saltar do
quadro
Fere em música o silêncio pétreo
do Museu.
Eu me ponho em retrato
E visto o Brasil nos olhos
Por outros entrevisto.
A exposição me expõe
E eu me lanço na tela, em lascívia.
Em bamboleio, o quadril ondula,
O negro sorri, a mulata é Capitu:
Olhos oblíquos
Expondo a natureza da mulher nativa.
O Brasil lateja no ventre dourado ao mar,
Repercute no grito de gol
Que parece ecoar da imagem:
Brasil mil, Brasil anil!
Distante, na estação fria,
Eu canto o hino como canto a vida.
A solidão povoada de tons
Soluça em sal,
Gotas úmidas ungem as cores vivas
Do cesto de frutas em festa,
Aquarela pintada em meu coração.
Virgínia Schall