CIDADES BRASILEIRAS
ALCÂNTARA
a Josué Montello
Negro, o braço do escravo
alva, a flor do algodão
eis a alvinegra Alcântara
com seu pelouro e Câmara.Em oitenta e oito, é sabido
a princesa Izabel declarou
extinta no Brasil a escravidão.— Até que enfim!, bradou o mundo
— Até que enfim!, gemeram os negros
— Será o fim!, respondeu Alcântara.Quem vai colher o algodão
disperso no babaçual?
Quem vamos prender no pelouro?
Quem vamos debater na Câmara?
perguntam os barões, e mal sabiam
(ou talvez desconfiassem)
que em pouco tempo seriam
extintos os barões e viscondes.Para cá não querem vir
italianos nem chins:
de resto, na bolsa de Londres
nosso algodão é chinfrim
e não podemos pagar
mais que feijão e cauim!— Vou-m'embora a São Luis, disse um
quero um cargo na província;
— Serei deputado na Corte, disse outro;
— Abrirei casa bancária, um terceiro.O último a sair d'Alcântara
entregue a chave ao Tião
ele que cuide de tudo:
no pelouro, amarre a mula
na Câmara, instale a cria
no paço, toque tambores
faça amor à luz do dia
nos jardins, plante quiabo
enfim, que vá p'ro diabo!Negra, a sombra que se espalha
alva, as paredes caiadas
eis a alvinegra Alcântara
de seus fantasmas, mortalha.Walter Cabral de Moura
Do livro: "Livro dos Silêncios", Ed. autor, 2000, PE