CIDADES BRASILEIRAS

SILÊNCIO DAS CATEDRAIS

             Evocações de Alvinópolis (MG)

Um planeta gira às escuras no universo,
E nele, sou milionésima sombra
sacralizada no silêncio da catedral.
Súbito a música, um coral diáfano
ilumina minha presença em êxtase,
torno-me existente, concebo-me,
solitária em meio à multidão imóvel.

Musiacordada,
vibro e viajo em tons, em sons, em afeições,
perambulo lembranças,
evocações sonoras a exalar sentimentos enovelados.
Mergulho no escuro de minhas saudades nuas,
retorno à infância entre fumaça e incenso
e reavivo mistérios das pequenas igrejas de minha cidade natal.
A música, intensa, serena, sublime,
preenche o silêncio rouco da catedral imensa,
desliza suave no ritmo mágico de mãos,
o regente desenha em gestos a melodia
que ecoa perene, trazendo a minha voz de menina anjo,
o gosto das amêndoas doces das quermesses,
o frio cálido das abençoadas festas de maio
e o toque terno da calejada mão de minha avó
não mais presente.


A catedral sempre foi inesperada
entre o esplendor de alturas, tal abóbadas celestes,
e da fé, iluminura sacra de faces anônimas.
Por dentro dela viajo como se em nave transcendente,
tocha de luz, cometa, na cauda da música a espiralar-se,
nela meu coração silencioso abre-se em asas de desejo
ao descobrir-se viva, em arrepio, no solstício sonoro,
no vendaval que arrasta estrelas céu afora
em suspiro de flauta,
pássaros em cio, madrigal renascentista,
perfume noturno que na catedral celebra a vida
e poliniza o infinito.

Enternecida, viajo na música alada.
Existir é um prelúdio sinfônico,
minha manhã será dourada!

                                                                Virgínia Schall

Do livro: Poetas de Manguinhos II, org. Antenor Amâncio Filho, Luiz Fernando Ferreira e Pedro Teixeira, Ed. ASFOC/FIOCRUZ, 2006, RJ

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