CIDADES BRASILEIRAS
Natal

Que será Natal?
É a fortaleza dos Reis Magos no meio do mar,
  com  sua cacimba d’água.
Símbolo de resistência.
É a Ribeira, rente ao rio e ao cais, abrigando paixões
  silentes
É Cascudo e sua Dália. Quem sabe dádiva.
É o arqueiro Franklin Jorge atirando flechas na mediocridade
  que contagia a província.
É Jota Medeiros, guerrilheiro multimídia, e o seu  "mal" cascudeano de ficar.
É Clotilde Tavares, Lady Midnight, médica, poeta,
  com sua inseparável vodka, seu batom carmim e  circunstancial amor.
É um jeep azul cortando semáforos vermelhos. Ou
  um fusca amarelo indiferente ao sinal verde.
É o Arpége com sua escada noir. Passarela dos tesões
  descartáveis.
É o poeta Nei Leandro de Castro afirmando:
  "Convém amá-la".
É um porre de erva, pó e álcool numa noite
  de latente masoquismo.
É o Alex Nascimento, Drácula Tupiniquim, sugando
  o que se pode sugar à noite, numa província de
  sol.
É uma rapariga indolente dizendo não ao dândi de
  vestes de seda.
É a barraca de Marlene agasalhando amores fora da
  lei.
É o Tirol, bairro que me viu criança, abriga-me
  Mulher e se faz cúmplice das minhas tragédias.
É o meu quarto que tão bem compreende os meus
  lances de dedos.
É a chuva imprevista encharcando meus escarpins e
  uma súbita paixão zombando de mim.
É um telefonema no meio da noite e uma voz cinza
  reafirmando compaixão.
É a minha boca embriagada fitando um olho sóbrio.
É o poema processo. Possesso. Caquético.
É um tigre à mercê de um javali. E vice-versa.
É o sol, o sal e a nossa condição de ser só.

                                       II

Que será Natal?
É a duna sinuosa insinuando-se aos olhos dos mais
  desavisados.
É a lente espelhada dos óculos de um alguém que
  perdi de vista.
É o reumatismo do meu pai, e a minha procura por
  um bálsamo que cure a dor paterna
É uma saia muito justa acompanhada de sobressaltos
  altíssimos. Disfarce-mor desta pálida poeta que,
  outrora, noite e dia, permanecia dourada.
É uma alemã, preparando um strogonoff, no
  Wimbledon, dividida entre Natal e Hamburgo.
É o poeta joão Gualberto entrando no mar da
  Redinha, sem notar os meus olhos que registram
  sua purificação.
É a Balada do Louco soando numa noite chuvosa,
  quando nada se quer a não ser ver a chuva cair.
É descer a Junqueira Aires, a quase 100 por hora, na
  contramão, numa madrugada onde vale tudo. Até
  brincar de ser eterno.
É Paulo Augusto, poeta, jornalista, e sua sina de
  perder-se em corpos e copular copos.
É o pederasta com rosto de anjo, e seu perverso
  parceiro a sugar-lhe a santidade.
É o demônio nos corpos dos amantes que não
  querem o olimpo e perseguem a maldição.
É Cristiana Coeli, de pele alvíssima, cabelos ruivos e
  vestes negras. Belo poema de Myriam.
É a mesma Myriam fragilizada pela doença que a
  levou. No entanto, grandiosa ao tecer seus versos.
  Artesã sábia diante da teia misteriosa.
É Zila Mamede, no caminho do mar, guardando-se para
  Poseidon. Coisas de deuses e poetas.
É Fernado Gurgel. Manso. New.
  Atento a todas as ondas.
É Witame reunindo, no bar Artmanhas, as manhas
  dos que fazem da vida uma arte. Ou um desastre.
É uma motocicleta rondando o meu coração,
  seduzindo-me a um labirinto de dor.
É o último aceno, na pista escura, de um homem que
  não se permite regressos.
É o jornal de WM, documento maior dos pormenores
  da city dos Magos, e seu eventual interino
  lembrando sempre a bela e arrebatada poeta de A
  Teus Pés.
É um par de botas de camurça e pelica dançando e
  cantando na chuva, sobre capotas de automóveis,
  numa madrugada em Ponta Negra. Saudades do
  Gene Kelly. Fascínio pelo Fred. O Astaire.
É um daiquiri acompanhado de uma caipiríssima, no
  Qualquer Coisa, defronte o mar de Areia Preta,
  enquanto o país do futebol chora a derrota no
  México. 3 pênaltis pela culatra. Um tiro nos
  corações verde-amarelos.

                                     III

Que será Natal?
É uma estrela apagando na via encostada ao mar.
  restando aos insensíveis vasculhar sua
  sexualidade.
É o silêncio do amigo, do outro lado da linha, e a
  minha voz aguda fantasiada de firmeza.
É um beijo na mão. Início de tudo. Maldição dos
  Deuses.
É um ágil álibi, erguendo-se diante de um frágil
  flagrante.
É o Potengi. Um rio a rir de mim.
É a minha tia Carmelita e os seus versos engavetados
  na memória. Ardil de quem driblou o próprio
  desejo.
É a metáfora que foge e se encerra nas rochas
  silenciosas da noite.
É um dardo jogado ao acasonum coração de um
  punk paulista. Quase chinês.
É um efebo banhado de sol, na Praia dos Artistas,
  deslizando no seu tapete de fibra. Às vezes persa.
  Às vezes mágico. Deleite para almas orientais.
É um cavalo alado, impelindo-me a cavalgá-lo.
  Transporte milenar.
É a festa da lua, na barraca 24, e o vinho suave
  percorrendo, vitorioso, gargantas secas.
É Ponta Negra com seu feitiço secreto e seus venenos
  diversos.
É o travesti triste da Vigário bartolomeu, ardendo de
  amor e pecado, com ninguém para amar.
É certo apartamento visitado no meio da tarde.
  Testemuha de um amor puro e ilegítimo.
É uma mulher estilhaçada, fingindo-se distraída,
  despedançando copos em bares.
É a avenida Rio Branco e suas transversais, onde, na
  madrugada, vendem-se corpos.
É um garça em guarda cheirando a vodka. Quase
  alma russa.
É o poeta João da Rua, deambulando pelas esquinas
  da província.
É minha mãe, Maria Castro, muito branca e pequena.
  Fiel porto para os meus regressos.
É Marcelus Bob, pai e discípulo de Cézanne, diante
d  a tela, misturando as tintas, desafiando os
  cancros do regionalismo.
É Novenil. Ecoprismático. Quase tinta.
É o gato Lúdico, exímio em escalar telhados. Unhas
  afiadas para qualquer passo em falso. 4 vidas que
  valem por 7.
É Diniz grilo e sua Arianete, nas águas da Redinha.
  Amantes al mare.
É um anjo embrigado, semi-barroco, à beira-mar.
  Cabelos de ouro, olhos de relva. Boca violeta,
  Crispada. Take de solidão.
É Flávio Américo Novaes, narciso sem espelho,
  fotografando fêmeas, revelando-me em preto e
  Branco.
É Sílvio, dragão amigo, de íris cor do mar. Sutileza
  similar ao silvo das serpentes.
É Luzana, flor entre flores. Estigma pontiagudo e
  vermelho a confundir-se com a pantera amarela e
  máscula oscilante. Conquista de quem se fez
  orquídea.
É uma fêmea se valendo de valiuns, esquecendo a
  sala no Boca Bar. Indiferença de mulher de lábios
  Rígidos, fragmentada e ainda ávida por paixões.
É esta minha tentativa "borgeana" de descobrí-la e
  Amá-la. Estratégia de quem quer ficar. Desespero
  De quem precisa partir.

                                                                     Marize Castro

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