CIDADES BRASILEIRAS
A SERRA DE PARANAPIACABA
Dorme; repousa em teu sono,
Da força pujante emblema,
Que tens o oceano por trono
E as nuvens por diadema!
Imóvel, muda, imponente,
Entestas com a excelsa frente
Das águias o azul império;
E em vastíssimo cenário
Da tormenta o quadro vário
Contemplas do espaço etéreo.

Salve, soberbo gigante,
Altivo Titã do mar,
Que aos pés contínuo descante
Ouves a vaga entoar!
Em teu manto de esmeraldas
Envolves as vastas faldas
E as empinadas cimeiras;
E a brisa te agita os cachos
E os verdejantes penachos
Da coroa de palmeiras.

Teus troncos, gravados do selo do tempo,
Meneiam aos ventos as soltas madeixas;
Quais harpas eólias, sussurram nos ares
Canções jubilosas, ou ternas endeixas.

És berço do raio; troantes estrofes
Entoa em teus bosques a voz dos trovões:
E os ecos das grotas fiéis, repercutem
O tom fragoroso de roucos tufões.

Do raio ao fuzil horrendo,
E ao crebro trovão, que estruge,
De pavor estremecendo,
A feroz pantera ruge.
A sinfonia assombrosa
Une-se nota estrondosa,
Que do fundo abismo sai:
É o som da catarata,
Que em alvos flocos de prata
Num leito de pedras cai.

Que majestade sublime,
Que poesia inefável!
O belo ideal se imprime
Nesse quadro incomparável.
Essa cascata da serra
Parece um hino, que a terra,
Espontânea, aos céus eleva!
Então, nossa alma se humilha,
Em santo arroubo se enleva.

Metais preciosos e gemas em cópia
Ocultas, ó serra, nas lúgubres furnas;
Retalham teu solo torrentes sem conto,
Que o velho granito despeja das urnas.

Povoam-te as selvas e negras gargantas
Inúmeras feras e enormes reptís;
Aí cantam aves, que as cores do íris
Desdobram nas asas de vário matiz.

Escuros despenhadeiros,
Profundos, vertiginosos,
São os degraus sobranceiros
Dos teus tergos escabrosos.
Não raro, de rijo tombo
Se escuta o surdo ribombo,
Que vai ressoando, a espaços:
É despegado rochedo,
Pelo eriçado fraguedo
A fazer-se em mil pedaços.

Ali, que azul dilatado
Se vai prender ao dos céus?
É o mar que, encapelado,
Ergue os móveis escarcéus.
Então a vista desmaia,
Na amplidão, que além se espraia,
A perder-se no infinito.
E esse imenso panorama
O nome de Deus proclama,
Na face da terra escrito.

Desenham-se, às vezes, arfando nas ondas,
As velas de um barco, do vento enfunadas,
Quais alvas gaivotas, que à flor do oceano,
Brincando, resvalam com as asas nevadas.

Dos topes aéreos, estreitos e golfos
Semelham regatos, talhando as Campinas:
Quais pontos esparsos, desdobram-se aos olhos
As casas e torres, ilhéus e colinas.

De teu cimo, a luz vibrando,
O sol na esfera flutua,
E o clarão pálido e brando
Merencória, verte a lua.
Outro céu de anil cintila
Na superfície tranqüila
Do mar, ardendo em fulgor;
E a onda, que não vanzeia,
Vem morrer na branca areia,
Orlando-a de espuma em flor.

Quem sabe se o cataclismo,
Que puniu a humanidade,
Não te fez surgir do abismo
Das ondas na imensidade?
Quem sabe, altaneira serra,
Se és coetânea da terra,
E do berço oriental?
Quem sabe de quanta vida
Foste a suprema guarida
No dilúvio universal?

Plantou-te nos mares o braço divino,
Ingente montanha,barreira das ondas!
Quem dera perder-me contigo nas nuvens,
Também devassando mistérios, que sondas!

Prodígios que encerras são cordas sonoras
De uma harpa celeste de excelsa harmonia,
Que os hinos, que exala, perene descansam
A glória do Eterno, de noite e de dia.

                           Barão de Paranapiacaba (João Cardoso de Meneses e Sousa)

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