A SERRA DE PARANAPIACABADorme; repousa em teu sono,Teus troncos, gravados do selo do tempo,
Da força pujante emblema,
Que tens o oceano por trono
E as nuvens por diadema!
Imóvel, muda, imponente,
Entestas com a excelsa frente
Das águias o azul império;
E em vastíssimo cenário
Da tormenta o quadro vário
Contemplas do espaço etéreo.Salve, soberbo gigante,
Altivo Titã do mar,
Que aos pés contínuo descante
Ouves a vaga entoar!
Em teu manto de esmeraldas
Envolves as vastas faldas
E as empinadas cimeiras;
E a brisa te agita os cachos
E os verdejantes penachos
Da coroa de palmeiras.
Meneiam aos ventos as soltas madeixas;
Quais harpas eólias, sussurram nos ares
Canções jubilosas, ou ternas endeixas.És berço do raio; troantes estrofes
Entoa em teus bosques a voz dos trovões:
E os ecos das grotas fiéis, repercutem
O tom fragoroso de roucos tufões.Do raio ao fuzil horrendo,Metais preciosos e gemas em cópia
E ao crebro trovão, que estruge,
De pavor estremecendo,
A feroz pantera ruge.
A sinfonia assombrosa
Une-se nota estrondosa,
Que do fundo abismo sai:
É o som da catarata,
Que em alvos flocos de prata
Num leito de pedras cai.Que majestade sublime,
Que poesia inefável!
O belo ideal se imprime
Nesse quadro incomparável.
Essa cascata da serra
Parece um hino, que a terra,
Espontânea, aos céus eleva!
Então, nossa alma se humilha,
Em santo arroubo se enleva.
Ocultas, ó serra, nas lúgubres furnas;
Retalham teu solo torrentes sem conto,
Que o velho granito despeja das urnas.Povoam-te as selvas e negras gargantas
Inúmeras feras e enormes reptís;
Aí cantam aves, que as cores do íris
Desdobram nas asas de vário matiz.Escuros despenhadeiros,Desenham-se, às vezes, arfando nas ondas,
Profundos, vertiginosos,
São os degraus sobranceiros
Dos teus tergos escabrosos.
Não raro, de rijo tombo
Se escuta o surdo ribombo,
Que vai ressoando, a espaços:
É despegado rochedo,
Pelo eriçado fraguedo
A fazer-se em mil pedaços.Ali, que azul dilatado
Se vai prender ao dos céus?
É o mar que, encapelado,
Ergue os móveis escarcéus.
Então a vista desmaia,
Na amplidão, que além se espraia,
A perder-se no infinito.
E esse imenso panorama
O nome de Deus proclama,
Na face da terra escrito.
As velas de um barco, do vento enfunadas,
Quais alvas gaivotas, que à flor do oceano,
Brincando, resvalam com as asas nevadas.Dos topes aéreos, estreitos e golfos
Semelham regatos, talhando as Campinas:
Quais pontos esparsos, desdobram-se aos olhos
As casas e torres, ilhéus e colinas.De teu cimo, a luz vibrando,Plantou-te nos mares o braço divino,
O sol na esfera flutua,
E o clarão pálido e brando
Merencória, verte a lua.
Outro céu de anil cintila
Na superfície tranqüila
Do mar, ardendo em fulgor;
E a onda, que não vanzeia,
Vem morrer na branca areia,
Orlando-a de espuma em flor.Quem sabe se o cataclismo,
Que puniu a humanidade,
Não te fez surgir do abismo
Das ondas na imensidade?
Quem sabe, altaneira serra,
Se és coetânea da terra,
E do berço oriental?
Quem sabe de quanta vida
Foste a suprema guarida
No dilúvio universal?
Ingente montanha,barreira das ondas!
Quem dera perder-me contigo nas nuvens,
Também devassando mistérios, que sondas!Prodígios que encerras são cordas sonoras
De uma harpa celeste de excelsa harmonia,
Que os hinos, que exala, perene descansam
A glória do Eterno, de noite e de dia.Barão de Paranapiacaba (João Cardoso de Meneses e Sousa)