Paraty
ver-te
te vi verde
de água e de mata.te vi o que tanto já viste,
sem assombrar:
os morros brotando
por trás de ti
em desenhos de serras
estradas sinuosas
mistérios de ouro e prata.ver-te
te vi água dentro
aguardente nas veias dos canaviais.
te vi com seus olhos mareados
o tempo não passar
a vida em um relaxo de curva
segredos de esconder
mão e luva.ver-te
te vi solta
tal qual folha caída, sem escolha.te vi sem pressa
contar a história das pedras
desarmada e amada,
nativa de gema bruta.te vi de dia
entre as franjas das cachoeiras
e de noite
com o olhar da lua cheia.te vi assaz
resoluta
impávida
entre o passado e o presente:
o império
a conquista
as mortes e as vidas.te vi assim:
pelo acorde da polca
e a nota do rock'n roll;
o longo ranger de serra da cigarra
o cantar macio de tantos pássaros.te vi sem espanto
nos cantos das flores e das frutas,
teu banquete de séculos.
te vi preta
branca
portuguesa e selvagem
de sotaque arrastado
na moldura de um dia e outro.ver-te
te vi entre velas
e lamparinas
rompendo os mistérios do escuro.te vi candeeira
com os pedaçoes de suas glórias
os desleixos dos riscos
o tanto-faz dos dias de sol
ou de chuva.para mim
te vi assim, Paraty,
de andar macio
e sem licença alguma
entrar em meu poema
igual as naus singraram um dia
por suas ilhas e costas,
afago de preguiça
ao sabor do vento.Carlos Francovig