CIDADES BRASILEIRAS

Cartografia do Sonho Prudentino

Te vejo no melindre da língua
da história que se bifurca neste vale
sem tréguas, erma nas léguas
dos migrantes lavradores iludidos
pelo canto das sereias de néon da cidade:
queriam vencer na vida,
como fazendeiros do ar.

A língua aqui valia
a palavra dada
Sem papel escrito
Nem assinatura lavrada.
Levou o povo que sonha o vale verde
à vala comum.
Os frutos
colhidos ao tempo
Os homens
caiados no tempo
Os sonhos
caídos do tempo
O pesadelo diante de poucos tostões,
os horizonte ceifados pelas hélices
selvagens da máquina do progresso,
colhendo milhões de fardos, de café, algodão,
amendoim empacotado de São João
Fest, fabricado em série,
fora do alcance daquelas mãos, para o alto
vagam onde os vagões da vida
descarrilham.
Te vejo, homem da roça, suplicar uma providência
do divino, quem lembra? Prevalece, prefalece
vale onde me fundo:
alma e lama
do mesmo barro.

Cresce o poema sem adubos nem manifestos
onde a cerca de estacas cai aos pedaços,
apodrecida de esquecimento e pobreza.
Presidente Prudente, o que queres?
saliva ruminada de estábulos,
cuspe sorrateiro na cabeça de códigos
De orgulho, ostentação e etiqueta.
Exposição de dentes, de medalhas, troféus,
Títulos de nobreza, mas és (so)mente
Arcadas secas ao sol.

Presidente Prudente dos candelabros!
O poema se levanta da riqueza recusada
e verde é teu tempo onde para sempre
serás vão, vale a verdura das plantas
guardar-te às vivências elementares.

Te vejo Presidente Prudente
no voo rasante do povo
de alma de andorinha!
Se teu voo é de delícias doces,
etéreas, amargas, orvalhadas adentro
no céu do espaço inerte.
Andorinha que permanece livre
na vida do azul aberto,
solta e fogosa de ser,
agente da malandragem
buscando rebeldia interestelar.

Cresce a semente no vale verde
de alguns milagres de refeição
de reconciliação de amor perdido
em amor achado de Deus,
fechar as portas todas e deixar uma fresta
para a esperança do homem prudente
do campo, das palavras e suas metamorfoses
que atravessam de círculo em círculo,
de casas em casas e do mundo,
e as circunstâncias todas
que atravessam,
o sonho largo, longo
e fundo no fim da via:
na carne viva
do lavra (dor)
Lavrar inteiro do tempo
debaixo das unhas,
a terra debaixo das unhas,
na vida sobre a terra
e nas unhas vivas da morte
madura debaixo da terra.

                                           Rubens Shirassu Jr.

Do livro: "Cobra de Vidro", Prêmio ProAc, Ed. e Gráfica Vida & Consciência, 2012, SP

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