CIDADES BRASILEIRAS
Lapa

O bonde passa
pelo espinhaço
dos arcos.
Mas não é o seu peso
que esmaga
a prostitua lírica
que procura nas cores
do ruge e do batom
a feérie da Lapa
onde ela estreou
numa noite mágica
que ainda hoje
é o que detém a sua mão
de dedos crispados
nos gumes da gilete.

CRÔNICA DA RUA DO OUVIDOR

O Ouvidor da Comarca do Rio,
dr. Francisco Berquó de Silveira,
iria se espantar (pince-nez ao chão!)
se visse a rua que ostenta o seu nome
duzentos anos depois.
Dado a ouro e mordomias
— o dr. Francisco tinha direito a casa,
escrivaninha, louça e mobília —
o Ouvidor talvez não estranhasse
a profusão de bancos, moedeiros
e agiotas que dominam a rua.
Com certeza o dr. Ouvidor
iria tapar o nariz aos camelôs
cheios de suor e medo dos fiscais.
Faria vista grossa aos cegos que pedem esmola
em grandes lençóis desfraldados
como bandeiras de desespero.
Seria indiferente ao office-boy
que bebe um refresco como alomoço
e conta as moedas do troco
que o levarão de trem para o subúrbio.
O senhor doutor Ouvidor
faria ouvidos moucos
aos gritos do pobre vendilhão
que faz seu ponto exatamente na frente
da pensão da dona Perpétua,
onde Tiradentes dormiu e sonhou
sem laços, sem grilhões, sem confidências.
O Ouvidor estenderia seus olhos
à secretária sem sutiã, cujos seios
haveriam de exacerbar o romantismo
de Castro Alves, ex-requentador da rua.
Ah, o dr. Francisco, lisboeta
da mais fina estirpe, da mais nobre casta,
tão purista quanto o mestiço Rui Barbosa,
haveria de cair das nuvens ao perceber
a inominável agressão aos princípios
e à elegância da língua portuguesa,
oh, céus!, oh, São Luiz Vaz de Camões!
Duzentos anos se passaram,
diria com seus dourados e inúmeros botões
o Ouvidor Francisco Berquió da Silveira,
e essa cidade bela e calorenta,
a julgar por minha rua,
cresceu em falta de modos, ora veja.           

                                                             Nei Leandro de Castro



 
 

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