CIDADES BRASILEIRAS
INFÂNCIA
Aquelas tardes de Três Barras
Plenas de sol e de cigarras!Quaneo eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...O cão travesso, de nome eslavo,
era um amigo, quase um escravo.Merenda agreste:
Leite ciroulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
"Mais bom dia, Vossa Senhoria"...
"Bom barqueiro! Bom barqueiro..."
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.Se a tarde de domingo era tranqüila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!Helena Kolody
Do livro: Viagem no espelo, Ed. UFPR, PR, 5ª ed., 2007