Eva

Já te basta a condição de parires,
de carregares as culpas da traição,
na originalidade do pecado
envenenado de maçã.
Porque seduziu-te a serpente,
porque confrontaste a verdade
da árvore da ciência do Homem,
que criou o paraíso e Deus.
Foste clonada da costela de Adão,
planeada a preencheres
o vazio da solidão,
a abrires-te à fecundação,
nunca pondo em causa o complexo,
da frustrante virilidade,
que te magoa as entranhas,
para que se cumpra,
em certeza a continuidade;
desejando-se que em dores sangrando,
nasça de ti um varão.
Outra filha da puta, não!
Criará sentimentos de compaixão.
Serves para servir e para amar,
escrava, mal amada,
desejada em vícios de prazer,
mal comparada, desprezada...
Sentes a infelicidade,
e a mágoa do género,
procurando sempre cumprir
e ser recompensada
em gratidão, por deveres.
Se a coragem manifesta interrogações,
és amaldiçoada, contrariada, maltratada...
Se procuras corromper as amarras,
és apagada por quem usufrui,
as ferramentas das superficialidade,
do conviver e do poder.
Se negas o contrato de união,
submissa à constante violação
e à condição de parideira,
passas a meretriz rafeira,
sem eira, nem beira,
que vive na clandestinidade da escuridão,
sem existir qualquer outra opção.

Mas a mulher descobriu as fraquezas
dos homens que carregou no ventre,
aguentando a lonjura do tempo moralizado,
vencendo as lanças da brutalidade instintiva,
herança primitiva das leis, da fé e dos costumes,
vencendo as eras e os azedumes.
De esperanças, de chegar à igualdade
e de assumir-se na importância,
da verdadeira força da maternidade,
dando à luz, parindo um mundo,
vigorasamente escorreito, humano e profundo,
sem na intenção, o preconceito,
de incutir qualquer divisão sexuada,
mas pela união dos corpos em ternura,
na inteligência do amor, por amor,
para que tudo seja pelo prazer desta aventura,
no eternizante desejo de viver melhor.

                                                          João Jacinto

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