ODE À ÁGUA

Quisera ser a Água.
            não ter o prejuízo da forma,
pra poder compreender todas as formas,
                        cor nem cheiro,
para impregnar-me de todas as cores da Terra
e de todos os perfumes das matas e dos campos.

                                 §

A Água fotografa na retina móvel
             lava na alma compassiva
as grandezas e misérias da Terra.
A Água quando se turva
é num segredo de útero
para o gesto dos peixes e das algas,
             quando se salga
é a grande lágrima do Mundo — o Mar.

                                §

Sangue nas veias do Planeta,
a Água rios flui. Vai sem pergunta,
sem plano e sem mealheiro.
Existe, e é útil: compre o seu destino.
Sabe que a espera o Mar.

Também sabemos
que nos espera um Mar.
Mas a Água sabe mais que nós:
o de que esquivamos nosso olhar:
que toda ela é o Mar.
E sobretudo sabe
que há de ir e de voltar
até a consumação dos ciclos.
Nem se lamenta. Sabe
que não há o que lamentar.

                                §

No Mar!...
                 Ah música de espumas!
No Mar!...
                 Ah vinhos de marulhos!
                 Ah conchas de silêncio!
                 Ah solidão do todo!
No Mar!...
E o Grande Coração bombeia as águas
para as artérias do ar.

                                 §

A Água quando se eleva
não sabe de orgulho, nem de mesquinha altura.
Sabe a fortuna dos ventos,
a fecundidade das trevas.
E cumpre a Lei. Rosa
de nuvens
dá-se.

                                §

            Água:
Vida que ao Sol nos move
e me comove.

                                   Anderson Braga Horta

Do livro: Antologia Pessoal, Thesaurus Editora, DF

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