HÁ A VASTIDÃO DE SÃO JORGE À MINHA VOLTA

para os novos amigos
José Inácio Vieira de Mello,
Ligia Valladares
& Nilza Barude

Foi São Jorge que me tocou.
Eu estava perdido na noite barroca e vi,
diante dos olhos ondulantes,
a espada de luz do jovem soldado.
Totalmente tomado pelo êxtase,
segui o caminho solitário.
Dentro de mim está tudo,
fora de mim está tudo.
O que deve acontecer, o que preciso?
Eu quero ser feliz, mas existem coisas
mais importantes.
O que quero dizer?
Como sou tolo!
Sempre lutando por algo,
sempre resistindo.
Tenho esperança, espero algo
como se estivesse numa estação de trem.
Não esperar nada
é o mais importante.
Às vezes penso coisas malucas
que voam dentro de mim,
abraçando a vida luminosa
como a mais fiel das companheiras.
Habitando com ela uma pequena casa
com um pequeno jardim.

Foi São Jorge que me tocou.
Montado num cavalo branco,
ofereceu-me proteção
em todos os lugares.
Imediatamente discordei de alguém que disse:
"Não vamos a lugar nenhum".
Não cedo. Vamos a algum lugar.
Incendeio o espírito com bom senso.
Espero aqui e nada espero.
Sinto-me como um pássaro
sobrevoando a Baía de Todos os Santos.
Sinto-me como jasmim
perfumando a escuridão.
Se eu fizesse algo
além de escrever?
Doar o coração como uma fruta suculenta.
Escrever que nada do que escrevo é suficiente.
Eu sou um poeta errante tocado pela luz de São Jorge.
O guerreiro de Capadócia, vencendo um grande Dragão,
é como um relâmpago no infinito.
Nunca acreditaria na vida como um fracasso.
Se eu desaparecesse
você só veria o silêncio das palavras.
Para chegar ao seu coração
fecho os olhos lentamente.
Vou de um lugar para outro.
Avisto o mar cálido de Ondina
e a platéia de uma peça no Theatro XVIII.
Vejo você.
Abro um sorriso.
O que está no coração é real.
Por que estou dizendo tudo isto?
Seria melhor não dizer nada.

Foi São Jorge que me tocou
quando via o mar.
As dádivas estão chegando.
O meu retrato naife.
Os horizontes pra ver e ouvir
para ler e suspirar
Não em vão.
Assim aqui estou e continuo
olhando os olhos dos Anjos
na madrugada quente, de presságios e corcéis selvagens,
escutando dentro e fora
e sou apenas ora vento ora bosque encantado.

Estou descansando agora, é misterioso o meu caminho.
Trago coisas raras: luas e sóis.
Não me interessa o que mata e faz sofrer.
O coração pulsa anunciando a vastidão.
A distância fumegante é pura ilusão.
Não tenho vergonha das palavras.
Ouço o canto dos sapos e das corujas.
Perdoa-me, não estou mais só,
o turco Jorge é o meu amante abençoado,
vestido com uma armadura de ouro
de inquieto fulgor.
Beijo o amado semblante,
deslizo lânguido no claro resplendor.
Bem-aventurado o céu de presságios!
Bem-aventurada São Salvador!

Antonio Júnior
Salvador (Bahia), Novembro de 2005

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