O Tríptico do Mar
(Homenagem a Bartolomeu Dias ***)
1
Não são irreverências de poetas...
Não são os esplendores de estro e mito...
São as angústias prenhes de infinito
tremendo nas agulhas inquietas...
Além da terra finda, o mar aberto!
Só ondas cavalgadas pelos medos
traziam melopeias e segredos
de anseios de alma de um sonhar desperto.
Ao leme, um tempo exacto de epopeias
cantando em versos puros a romagem
ao templo do sem fim que além chamava...
Nas velas enfunadas, luas cheias
deitando no convés a nívea imagem
do sonho que era vida e que tardava...
2
Na pátria que ficara à beira-mar,
chorando sobressaltos malsinados,
os cortesãos, no Paço aboletados,
trovavam indolências de folgar.
Senhores de cidades e de vilas,
em mesas de abastança e bem-nascer,
somavam as parcelas de outro haver,
douradas de horas fúteis e tranquilas.
Ah, pátria dividida em dor e gula!
Ah, sonho adulterado por intrigas!
Ah, carne à sexta-feira, paga a bula!
Ah, pátria de sofridas aventuras,
que importam tantos sonhos que persigas,
se atracas sempre ao cais das amarguras?
3
No peito vão os cabos, vão as ilhas,
as terras, os padrões, o sonho erguido...
Agora resta o mar desconhecido,
promessas, perdições e maravilhas.
Ah, ébano africano, não escondas,
além de ti, os cravos e as pimentas...
Se temo, não recuo ante as tormentas
que emergem tenebrosas destas ondas.
Termina ou não em ponta a terra vasta?
Aonde o Cabo Sim abrindo o Leste
que banha de arrebois a minha vida?
Ah, sonho de uma pátria! E o sonho basta!
Nas tuas mãos deponho o que quiseste:
a rota da visão apetecida!
José-Augusto Carvalho
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*** Nota histórica: Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas, como o chamou, em 1488. A este mesmo Cabo, chamou o rei D. João II, Cabo da Boa Esperança, porque alentava a esperança de chegar à Índia por mar. Bartolomeu Dias ali morreria, em 1500, quando naufragou o barco que comandava e que integrava a esquadra de Pedro Álvares Cabral.