AS ÁRVORES DA RUA

Que tristes arvores, coitadas!
Eu tenho tanta pena delas!
Doentes, raquíticas, plantadas
em longas filas paralelas...
Que tristes arvores, coitadas!
Ó minhas verdes exiladas!

Crescer ali, sem liberdade,
no alinhamento de uma rua;
sentir a vida da cidade
e não poder viver a sua!
Crescer ali, sem liberdade...
Moças, mas – ah! – sem mocidade!

Se conseguissem ir mais alto!
Mas sentem presas as raízes
sob a pressão quente do asfalto.
Elas seriam tão felizes,
se conseguissem ir mais alto,
galgar, tomar o céu de assalto!

Cortam-lhes galhos, coitadinhas!
Nem lhes dão tempo de flori-los!
Fazem-nas todas iguaizinhas,
como as meninas dos asilos...
Cortam-lhes galhos, coitadinhas,
e elas parecem orfãzinhas!

Ninguém lhes quer nem as entende;
ninguém procura a sua sombra;
nem a seus pés nunca se estende
o verde fresco de uma alfombra.
Ninguém lhes quer nem as entende:
ah! só minha alma as compreende.

Nas suas ramas pensativas
nunca se esconde o amor de um ninho,
nem borboletas fugitivas,
nem canta nunca um passarinho...
Das suas ramas pensativas
Por que fugis, almas furtivas?

Quando o luar tem tons de prata,
nas pobres árvores da rua
niunca ninguém gravou a data
de um beijo... Apenas, quando há lua,
quando o luar tem tons de prata
sob elas chora a serenata.

Se geme, em tardes misteriosas,
o harmônio místico do vento,
elas se benzem, religiosas,
na solidão do alinhamento.
Se geme, em tardes misteriosas,
o vento, benzem-se, medrosas...

Parecem freiras cochichando
nos corredores dos mosteiros,
com suas toucas brancas, quando
há névoas no ar... Quando há nevoeiros,
parecem freiras cochichando,
parecem monjas desfilando...

Que tristes arvores, coitadas!
Eu tenho tanta pena delas!
Doentes, raquíticas, plantadas
em longas filas paralelas...
Que tristes arvores, coitadas!
Ó minhas verdes exiladas!

Na via Sacra desta vida
também há tanta criatura
plantada em linha aborrecida...
Por esta Rua da Amargura,
na Via Sacra desta vida
vive tanta árvore esquecida!

                          Guilherme de Almeida

Do livro: Simplicidade, 1929, Ed. Cia Editora Nacional, RJ
Enviado por Neide Barros Rêgo

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