Ave Maria no Morro

Seis horas, já é noite.
O sino toca na catedral e ecoa lá no alto.
Seis badaladas anunciam que a tarde se foi...
São 18:00 hrs. no morro.

As senhoras se benzem, os mais novos
continuam à correria do dia-a-dia;
Há pessoas cantando happy
Outras se reúnem na Igreja,
nas praças, nas vilas, nos becos.

Os trabalhadores cansados,
começam à escalada vagarosa.
Os estampidos de balas ecoam e correm
sem destino.

Correm Marias, correm Clarices,
Olgas, Madalenas...
E as Helenas, as Marlenes, as mulheres do samba?

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres que não
tem recursos, que sobrevivem...
Faxineiras, lavadeiras, costureiras, arrumadeiras,
cozinheiras, donas de casa, babás, domésticas...
Com salários, sem dinheiro,
Sem dinheiro, sem salário.

Elas estão chegando também.
As luzes do morro estão sendo acesas.
É chegada a hora da Ave-Maria.

E todos se reúnem, mesmo aqueles que
pertencem a religiões diferentes,
que não cultuam MARIA, sabem
que seis horas é hora sagrada.

É a hora dos moleques que estão brincando
de pipa, de pega-pega, de esconde-esconde
retornarem aos seus lares.

E as mães se reúnem num coro: Sobe Pedrinho,
vem Zezinho, anda Carlinhos!
E cadê o menino que saiu para engraxar sapatos e
ainda não voltou? Ah é o Joãozinho, filho da Cotinha.
Ele sai de casa às 07:00 hrs. da manhã  e
retorna às seis horas, quando já é noite no morro...
Joãozinho não chegou, cadê o Joãozinho?

Cotinha vai até a ponta do morro e pensa:
Será que tem blitz lá embaixo?
Será que tem algum engarrafamento?
Mas Joãozinho anda a pé...
Meu Deus, cadê meu fio?
Reclama a  Cotinha...

Cadê meu fio? Alguém viu?

Cotinha, as más línguas dizem que o Joãozinho leva
drogas junto à caixa de engraxar.
Todos sabem disso, Cotinha...  Você é única que
ainda não sabe... Ou sabe? Ele deve ter tido
problemas por causa da TV.

Não, meu fio não faz isso!
Ele disse que aquela televisão que ele trouxe foi um
Bacana que comprou e lhe deu de presente.
Ele não estudou muito, eu sei.
Não é letrado, não sabe contar, não sabe
falar direito,
mas o meu João é bão!

Já passam das seis... E meu João?
Escutem, escutem, estampidos de bala!
Corre pra dentro de casa gente... Se abaixem...
Os homens tão subindo!

Não, gente, não são os homens.
Acho que pegaram alguém... Quem será?

Dona Cotinha, Dona Cotinha, pegaram o moleque...
Pegaram o João!
Deram-lhe muitos tiros, ele rolou
e está estirado no chão...

Mas por que fizeram isso ao meu João?
Ele é menino, ele é meu filhinho...
Ele é risonho, é brincalhão...
Ele é meu querido, o meu fio é tão bão.

Eu sei, Dona Cotinha,
mas os chefes da boca não perdoaram ele não.
Ficou devendo a muamba, não pagou os caras não!
Gastou o dinheiro das drogas comprando televisão.

- Ele ficou calado,
não quis explicar a razão -
Agora tá baleado
Mortinho igual a um ladrão, por causa de
uma  televisão.


Ele dizia:  - pobre do João -

"Minha mãe tem que ter mais satisfação.
Ela fica cansada, não tem um divertimento.
Agora  vai vê novela, vai vê programa,
Vê jornal  e  as noticias do momento."

Tadinho do meu fio!
Minha maió satisfação era vê ele rindo,
mas agora meu coração tá cortado...
Meu fio tá partindo!

Ele tinha sonho, meu fio...
De crescer e ser importante.
Queria comprar um carro amarelo, ser taxista;
Queria desfilar na escola de samba, ser passista.

Ai meu Deus, que maldade fizeram!
Meu João só tinha 12 aninhos
Mal cresceu, meu molequinho
E agora tá morto o pobrezinho.

Que dor,   é duro pro meu coração,
Ver meu fio morto é muito sofrimento
Até hoje não tive alegria
A não ser no seu nascimento.

Ele é o  meu pequeno,   meu moleque.
Ai, fio,  fala comigo, em nome de Jesus
Não me abandona filhinho
Abre os olhos, veja a luz!

Nunca roubei nada, ele também não.
Sei que ele ia pagar, mas não quiseram esperar.
E agora fico sem ele, sem meu filhinho.
Ah que dor !
Minha vida vai ser chorar...

Mas Deus vai ter piedade de mim
Que tô sofrendo da violência
Que fizeram pro meu filho?
Não tiveram paciência!

Estou iguar a Maria, sofrendo a mesma dor.
Meu fio é tão menino, é tão puro meu João...
Agora tá mortinho, iguar a nosso Senhor.
Nem se mexe...diz nada não.

São seis horas aqui no morro
É hora da Ave Maria
Vou rezá pra ela levá meu fio
Assim, ele  sobe em boa companhia.

Vou pedir pra Jesus perdoá
E o meu filho não castigá
Ele é bão, senhor!
Cuida dele do lado de lá.

Vai, meu fio,
Mamãe já vai rezá
Pra todos os santos e anjos
na sua mão segurá.

MARIA, MARIA, JESUS,
TO VENDO VOCÊ AÍ DE BRAÇOS ABERTOS
ME PEGA, ME SOCORRE MEU SENHOR!
ME ABRAÇA, CRISTO REDENTOR !


AI, AI QUE DOR MEU SENHOR!!

  Por que esse negócio não muda?
Por que o Brasil não vai pra frente?
Por que a violência mata tanto
O que o governo faz pra gente?

Tira a vida das pessoas
Que não sabem o que fazer
Roubam nosso dinheiro
E meu fio não pôde crescer

Mas já vou parar, agora é só chorar.
É um vale de lágrimas e sofrimento
Maria, me ajuda, mãe...
Salve-me Rainha, me dê livramento.

Então tá, sobe meu fio.
Pega na mão de Deus e vá
Os anjos te abracem e te abençoem
Eu fico aqui, de joelhos a rezá.

Adeus, Joãozinho...
Um dia a mãe encontra ocê.
Sobe fio, vai...
Sua sina é subi, então sobe.

Ave Maria, cheia de graças,
Socorre o meu fio!
Cuida dele pra mim.


 Meg Klopper

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