ALFABETIZAÇÃO 2000

Eu e o meu robô-menino
fomos dar um passeio no jardim.
Não de mãos dadas,
que o dia estava frio.
— Robô, eu disse,
olha pra cima.
Aquilo é que são os passarinhos.
Sabes que houve um francisco em tempos idos
que engoliu gorjeios como alpiste?

Então ouvi um estranho rangido.
E dei um grito:
— Robô, eu disse.
Não se trituram assm os passarinhos.
Há outras formas de compreender o que eu digo.

E apontei para os canteiros do jardim.

— Sabes? O perfume é essencial à vida.
Colhem-se as flores no seu ninho
para acalento de homens frios.

Então ouvi um estranho rangido.

— Não, robô-menino, não é isso.
Não se espreme nas mãos a clorofila
e as corolas não se pisam
nem o aroma é uma cor líquida
escorrendo na boca que mastiga.

E dei-lhe o exemplo das rondas infantis.
— Tu vês as criancinhas?
Elas correm no pátio sem aviso
e beijam as flores e falam aos passarinhos
que a infância é a cartilha de poesia.

Então ouvi um estranho rangido.
E desviei no grito:
— Robô, robô! A culpa é minha.
Vês como eu choro e rio?
Devia funcionar mas só humanizo.
Sou eu que ensino os pássaros,
as flores, o dia e as criancinhas.
Fui eu que inventei o lirismo.

Então ouvi o estranho rangido.

1968

                       Ilka Brunhilde Laurito

Do livro: Sal do lírico, Edições Quíron, 1978, SP

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