METEMPSICOSE

Morrer… Pelos caminhos
ir branco, ir muito frio, ir de roupinha nova,
as mãos em cruz, o olhar de vidro os pés juntinhos:
ir assim para a cova!
Ir e não ver… Bizarro!
E tudo tão luxuoso, e tudo rico, tudo!
Os amigos de preto, as coroas, o carro,
o caixão de veludo…
Bizarro! Que vida, esta!
Ser festejado assim, com tanto rebuliço,
com tanta pompa assim: e o anfitrião da festa
nada a ver de tudo isso!
Depois, a sepultura:
sair de um leito pobre e de colchões macios,
para um de pedra, rico… Ah! mas que cama dura
e que lençóis tão frios!
E desfazer-se aos poucos…
Não ter o que comer e dar comida a tantos
inimigos! Meu Deus, que terra esta de loucos!
De loucos ou de santos?
Ficar assim, agora,
escutando o silêncio e olhando a treva… E, inteira,
completamente só, voltar ao que era outrora:
ser poeira de outra poeira!
Mas, na terra selvagem,
achar uma semente: adubá-la, um minuto,
e ser raiz, e ser arbusto, e ser folhagem,
e ser flor, e ser fruto!
Flor que um Sol Poente banha
e que vai perfumar, enfeitar com ternura
– ó flor de morte, flor paradoxal e estranha! –
a própria sepultura!
Fruto que vai dar vida
aos pássaros do céu! Galho que vai dar sombra
aos homens do caminho! Ou erva apetecida
de apetecida alfombra!
Ah! morrer na certeza
de, assim multiplicado, invisível e mudo,
viver eternamente em toda natureza
e na vida de tudo!

                         Guilherme de Almeida

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