NA MATA
Quatro horas da manhã: já da bruma o fresí
Se vai rasgando, pouco a pouco, à luz do dia;
Leve, o polvilho azul dos astros, a granel,
Espalha-se, desmaia, à brisa que esfuzia.Boceja a mata escura. Ao longe, no cairel
Do abismo de folhage' uma jibóia pia !
Inflama-se o oriente, e um mágico pincel
De linda cor de rosa o céu todo irradia.Fantástico, porém, das aves todo o bando
Principia a cantar, fugas contraponto,
Que um meigo sabiá reger calmo parece;Do sol surge, afinal a imensa face loura...
Mas eis que a orquestra pára...um tiro bruto estoira...
Silêncio... tudo foge...; é o Homem que aparece!
A ALMA VERDE
Às vezes, alta noite, à boca da floresta
Cheia de uivos de amor e de berros ferozes,
Como a voz do oceano aterradora e mesta,
Levanta-se uma voz feita de cem mil vozes;E essa voz que amedronta o coração mais forte
E como harpas de ouro ao mesmo tempo enleva,
De galho em galho vai, como um grito de morte,
Espalhando o terror atávico da Terra!...Desembesta o tapir que o pânico escorraça;
Enrosca-se a jibóia, o jaguar sente medo,
Na escuridão da loca o Índio acuado espia...Tudo se encolhe, treme, espera, silencia,
Da pluma dos bambus à aresta do rochedo...
É a alma da floresta — a Alma Verde que passa!Pethion de Villar (Egas Moniz Barreto de Aragão)
Do livro: Alma Brasileira (1898), in Poesia Completa, Ed. MEC - Conselho Federal de Cultura, 1978, Brasília/DF