ERA

(Apenas fábula, não fosse o fogo)
Para Sebastião Salgado


Era onde os cipós seguravam os troncos
para abraçar a indolência das cobras.

Era onde as juriis espraiavam
fobia e pasmo entre os arvoredos.

Era onde as onças, em sonhos bem largos
ruminavam as horas e os silêncios.

Era onde os porcos-do-mato fuçavam
em busca dos segredos do reino.

Era onde as araras, pontificando,
minimizavam a retórica dos micos.

Era onde os macacos mais graduados
enalteciam os dias vindouros.

Era onde procissões de formiguinhas
teciam louvor a divindades herbívoras.

Era onde raposões e preguiças
orquestravam o hino de um país auriverde.

Era onde um concerto de grilos
cricrizava, a acordar o mundo.

Era onde o susto dos canários
apavorava as folhas e os ramos.

Era onde o frescor da sombra
afagava os ócios do menino.

                     ***

Então, veio o fogo e comeu as árvores.
E bebeu a fonte. E engoliu as tardes.

E acabou-se a mata e acabou-se a caça.
E acabou-se a infância. E acabou-se a graça.

                     Joanyr de Oliveira

Do livro: Tempo de Ceifar, Thesaurus Editora, 2002, Brasília/DF

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