poema para nilson matos pereira, magister

No hiato do tempo em que passaste
aparentemente preso num casulo de silêncio,
onde os sons únicos eram o zumbido leve
das máquinas na UTI, lá não estavas,amigo.
Induziram-te a um coma
para que pudesses aguardar uma intervenção
hospitalar, mas lá não estavas.
Teu espírito de condor
já sobrevoava os altos, em direção
a dimensões
mais adiantadas.
Enchias os pulmões da alma
com o ar puríssimo no absoluto azul perenal.
De vez em quando mergulhavas num mar abissal,
preparando-te
para decifrar os Mistérios cósmicos...

Espirais de energia te envolviam,
teu espírito brilhava qual gás neon.
Já não te importyava se era noite ou dia,
não estavas mais aqui...
Um fio longuíssimo de seda pura
era então desenrolado de tua casa terrena.
Uma das três parcas, com ele fiava poemas
de luz, de fantasia, de beleza pura...
Seriam ofertados aos Universos,
esses últimos versos
que de ti emanavam e não mais dirias aqui na Terra...
E trabalhavam, silenciosas, Nona, Décima e Morta,
enquanto os poetas aqui em baixo,
faziam trovas e versos livre,
oravam, choravam, pediam que ficasses...

Implacáveis, Cloto, Láquesis e Átropos,
por conhecer a data limite
que a nós era escondida,
desenrolavam, fiavam,
até que a tesoura de ouro, afiada e fatal,
cortou o fio de prata em teu umbigo...
E, livre enfim, para de fato voar impunemente
te foste, colorido, leve, livrelivrelivre...

As três parcas não são inclementes nem cruéis:
cumprem um prazo ignoto para a nossa pequenez,
libertam para devolver
à Luz maior, todo ser
emprestado a nós...
Seu nome vem de "pario",que significa mesmo
parir, pôr no Mundo, dar a luz.

Agora é que nasceste.
E aqui na Terra, reviverás
quando teus versos forem lidos, ditos, declamados.

Nunca morreste, agora é que nasceste,
fio de seda qual fiapo iluminado,
solto pelo Universo...

Agora é estás realmente vivo.

                                 Clevane Pesoa de Araújo Lopes
                                          
Belo Horizonte,12/10/2005

                                 

Do livro: "Bagagem", Imago, 1976, RJ