Canto adormecido

O pássaro oscilava adormecido
engaiolado na biqueira da varanda
seu canto há muito arrefecido

prisioneiro eterno do desencanto
a um canto do peito sem fantasias

as flores vizinhas antes mimosas
jazem pendulares em ramos definhados
levemente tomentosos, esbranquiçados

o vento não mais agita o guizo seco das folhas
espalhadas em desordem sobre a grama
parecem confinadas ao eterno repouso

uma aranha em seus últimos movimentos
envolveu carinhosamente o sabiá
num casulo seda filamentosa

e quedou-se enroscada na própria teia

as pernas me levaram para além
minha mãe anunciava tempestade
cavando o mormaço à braçadas

após intangíveis respingos de lágrimas,
choveu forte sob o rufo de tambores

o riacho gorgolejou alegremente nas pedreiras
o sabiá rompeu a crisálida e borboleteou juvenil
sob o sol, sobre o riacho

                                                               José Mattos

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